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Poeshydra

Atualizado: 5 de mar.

Uma canção desafinada de Luísa para Ravi

Por Lia d’Assis


É baseado em fatos (ir)reais. Embora Luísa e Ravi sejam personagens, eles evocam fatos e emoções vividas por todos nós durante uma recente e dolorosa fase da nossa história, entre março de 2020 e julho de 2021, o período de isolamento causado pela pandemia do coronavírus.


O canto de Luísa é um ato de resistência diante da morte. Amar é um ato subversivo, literalmente, não apenas porque rompe o isolamento obrigatório, mas porque subverte o sentimento apocalíptico, de fim iminente e inescapável.

Como afirma Ana Cláudia Romano Ribeiro, no posfácio da obra: “os poemas deste livro são poemas de gênese, de fecundação, de novos inícios”. E que compõem um híbrido entre lírica e narrativa: é possível ler seus poemas isoladamente, ou em uma sequência que compõem uma história – ao longo da qual Luísa e Ravi não são apenas amantes, mas “metáfora de palavra e melodia”.



1

Solitários descem os caixões à terra

Como sementes lançadas ao solo.

 

Já não posso cantar, já não há palavras –

Dizes no desconsolo de sobreviver aos poucos.

 

A morte multiplica-se pelos campos

Coincidindo semeadura e colheita:

Veloz a levar vidas por minuto

Ceifando esperança, prolongando prantos

Encorajando-nos apenas a tecer

Tristes, de antemão, nossa mortalha.

 

Ainda assim, vive,

insiste em teu canto, como aquele cisne

que o sabe mais belo quando a morte é perto.

 

10

Em meu delírio mais lírico

ininterrupta pelas ruas

saio

caminho até tua porta

sem trégua, entro

em tua casa, intrusa

 

e sem convite ou palavra

tua vida, tua tarde

invado

preencho tuas horas

de imprevistas carícias.

 

Mas como não posso,

só passo fugidia

por teus devaneios.

 

18

Em palimpsesto

nossos nomes sob camadas

textos de inomináveis eras

nossos nomes à espera

de corpos-lacunas

pulsante matéria.

 

20

Enredo-te intensa em minhas teias líricas.

 

Tocas-me apenas com tua voz e canção

e causas-me o frêmito de uma carícia.

 

Antecipo tuas mãos em meu corpo

teu beijo em meu pescoço

tuas pernas e as minhas

em bailado sôfrego.

 

Distância desmede desejo

privada de tua pele

dispo-me em palavras

todas elas no chão

mostro-me mais que nua.

 

E assim me vês sem me olhares

e me tomas sem corpo

nunca tão íntimo quanto longe...

 

50

Desperta ouço

a sinfonia dos pássaros

chamando o dia

consolo dos insones

que despendem a noite

sem o descanso dos olhos

mas são os primeiros

a contemplar a manhã

assistir ao nascer da luz.

 

E no meio do fundo da dor

uma força nasce, imprevista

e decido adiar mais um dia

a morte e seu manto de escuridão

e depois, quiçá, mais um dia

dizendo sempre à inevitável visita:

hoje não, talvez mais tarde

 

que assim eu me atrase

a chegar ao sombrio Hades.

 

Serviço

Uma canção desafinada de Luísa para Ravi

Autora: Lia d’Assis (@liadassis)

Editora Patuá

R$ 50

 

Lia d’Assis nasceu no Vale do Paraíba, interior de São Paulo, no verão de 1979.  Graduada em Letras, mestra em Educação e doutora em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Trabalhou como colaboradora editorial e, atualmente, é professora de literatura no Instituto Federal de São Paulo (IFSP). É autora dos livros: “Falso Infinito” (Patuá, 2021) e “Nem asas pelos ares” (Urutau, 2017).

 

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