Descortinando a solidão na poesia coletiva
Por Katia Marchese
Poemas que enfrentam dilemas e dialogam com as imagens e as palavras de outras poetas. Poemas que retratam as dificuldades do silenciamento histórico a que mulheres foram submetidas, abrindo, assim, espaço para ouvir a si e os seus cadernos há muito tempo guardados e encontrando na arte poética seus centros de força e criação.
Esse sentimento consta em dois livros de dois coletivos femininos de poetas em plena atividade em Campinas. Além da criação das obras, elas fazem leituras de poetas como Conceição Evaristo, Cora Coralina e Nina Rizzi.
Coletivo Literário Dandara Somos Poesia – Distrito do Campo Grande
Em roda de poesia as mulheres da região do Campo Grande em Campinas, circundaram em torno de leituras e da produção de suas próprias palavras. Descortinando a solidão enfrentaram dilemas, dialogaram com as imagens e as palavras de outras poetas.
Com Cora Coralina, gastaram as palavras como se gasta uma pedra até encontrar forma. Ouvindo a “escrevivência” de Conceição Evaristo, visitaram a intimidade de suas vozes e silêncios.
Nas imagens do me livro “Mulheres de Hopper”, escolheram espelhos para desenhar palavras e compor suas escritas. Venceram as dificuldades do silenciamento histórico a que foram submetidas, e abriram espaço para ouvir a si próprias e seus cadernos há muito tempo guardados.
O resultado é este livro repleto de vozes comuns e, por isso, mesmo extraordinárias, compondo a poesia coletiva e socialmente necessária nesta sociedade tão excludente e autoritária. Enfim, Mulheres que querem ler e escrever o mundo.
Poemas de Dandara Somos Poesia
Mamãe
Maria Roberta Dias
Da minha mãe
eu lembro, das pernas delas
correndo, para nos bater
Tristeza, eu não conseguir correr
para ver ela morrer
*
Um corpo saudável
Maria Aparecida da Silva
O corpo
compõe,
doçura
e cicatriz
*
Reencontro
Vera Lucia Franco Evangelista
Minha vida
paralisa minha alma,
abandonar agora
não é solução.
Do compasso ao ritmo,
Indo e vindo
segui em frente.
Coletivo Literário Cora Coralina - Distrito de Aparecidinha
A partir da realização da Oficina de Escrita Livre Rodas de Poesia, na Biblioteca Municipal Cora Coralina, do Espaço Cultural da Vila Padre Anchieta, em parceria com a Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Campinas, um grupo de mulheres ecoou suas vozes poéticas.
Foram seis meses de encontros de leitura e escrita que inspiraram a construção de um livro "Mulheres de Cora Coralina", por meio das leituras das poetas Conceição Evaristo, Cora Coralina e Nina Rizzi. Juntas teceram a oralidade das memórias, os sentidos dos corpos e novas poéticas foram surgindo.
Ao buscarem seus centros de forças e criação, afirmaram sua independência, criaram expressões e manifestaram suas ideias. Na intimidade destas construções e desconstruções do imaginário feminino surgiram seus poemas. Escrevendo a poesia da vida cotidiana, este grupo de mulheres criou um Coletivo Literário e lançou seu primeiro livro: “Mulheres de Cora Coralina”. A jornada continua com encontros quinzenais.
Poemas de Mulheres de Cora Coralina
Gangorra
Sandra Souza
Na gangorra da vida altos e baixos.
Na copa das árvores folhas amareladas,
são bilhetes deixados para o futuro.
O circo da vida representa
o grande espetáculo
onde os artistas principais somos nós,
até que se fechem as cortinas.
*
Balança
Alessandra Yara de Godoi Sanches
O coração é um bloco,
de cimento, carnaval ou apartamento.
Quem quebra, procria ou espalha lixo
não sabe que podemos habitar.
Um dia você aprende
a colocar sentimentos na balança.
*
Visita
Luciana da Cunha dos Santos
As abelhas com seu néctar,
tiram o mel da flor
e exalam um perfume que embriaga,
água na boca o sabor infância
sinto as asas batendo na janela do quarto.
Katia Marchese é formada na Escola de Escritores do Clipe - Casa das Rosas - Museu Haroldo de Campos de Poesia e Literatura SP. Participa do Coletivo O Ateliê de Poesia. Já escreveu para diversas revistas literárias.