Nariz de Cera
- URRO
- 30 de nov. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 4 de dez. de 2022
Leitores: uma matéria à parte
Por Katia Fonseca
A seguir estão alguns diálogos que eu tive com os leitores nestes quase 30 anos de jornalismo. Parecem saídos de algum conto do Murilo Rubião. Apesar de absolutamente nonsense, são reais, realíssimos. Eu não teria capacidade de inventá-los, juro que não teria...

Obra Notícias da Manhã, óleo sobre tela, de Francis Luis Mora, 1912, Museu de San Diego
Importante frisar que todas essas conversas por telefone aconteceram no pico da jornada de trabalho, quando estava super atrasada e cheia de problemas para resolver.
Bom frisar, também, que eu trabalhava numa redação com mais de 50 jornalistas e, então, me pergunto: por que tinha de ser comigo???????
Vamos aos diálogos!
1)
(Trim, trim)
- Alô!
- Bom dia, meu nome é Mailda e eu sou assinante do Correio Popular.
- Pois não.
- Eu estou pensando em fazer uns cursos de astrologia e então queria que você me desse o endereço e o telefone dos astrólogos que escrevem para o jornal.
- Infelizmente, não será possível.
- (voz brava e surpreendida) Por que não?
- Em primeiro lugar, porque não estamos autorizados a fornecer endereço e telefone das pessoas que trabalham no jornal. E, depois, é o seguinte: aqui nós só temos um astrólogo que escreve, ele é o Quiroga (Oscar) e mora em Nova York, acho que vai ser meio difícil falar com ele.
- Ah, e você não tem endereço de algum instituto de astrologia?
- Não.
- Tem aquele lá do Osmar Cardoso, né?
- Olha, eu não faço a mínima ideia e, aliás, odeio astrologia...
- Ah, obrigada
2)
(Trim, trim)
- Alô!
- Oi, aqui é a Simone, você está sozinha na redação?
- O que? Sozinha? Como assim?
- É que eu queria ir aí levar uns convites e queria saber se está todo mundo aí ou se você está sozinha.
- Bem, neste exato momento está todo mundo aqui, mas não posso garantir para você que daqui a pouco as pessoas ainda estejam por aqui, elas podem sair pra almoçar ou pra fazer qualquer outra coisa, né?
- Ah, então tá bom. Eu vou tentar ir agora e, se não der, vou daqui a uma meia hora e, se eu chegar aí e não tiver ninguém, eu espero. Obrigada.
3)
(Trim, trim)
- Pronto!
- Oi, eu acabei de falar com você, mas fiz algumas trapalhadas... É que eu estou com uma gripe de 39 e meio (sic).
- Pois não.
- Você é a Emiliana, né?
- Não, Katia Fonseca.
- Ah, é isso, nossa... Eu estou até vendo vagalume na minha frente... Mas tenho que trabalhar, né? Fazer o quê? Então tá, obrigada.
4)
(Trim, trim)
- Alô!
- Com quem eu falo?
- Katia.
- Oi Katia, eu já sou assinante do jornal.
- Hã, hã...
- Eu trabalho com shows e queria saber como eu faço para registrar uma reportagem (sic).
- Você tem que mandar um release aos meus cuidados.
- Mas como é que vocês fazem, vocês vão no local fazer a reportagem?
- Então... Como eu disse, a primeira coisa é você mandar o material escrito para a gente saber do que se trata. Aí, a gente analisa e vê se tem interesse jornalístico. Em caso afirmativo, a gente entra em contato com você para fazer entrevista.
- Eu também queria que vocês tirassem umas fotos...
- Então... Manda o release.
- Bem, e eu sendo assinante, quanto paga?
- Você está falando com o setor de jornalismo, não com o comercial. Aqui não se paga nada, ou a coisa é notícia ou não é.
- Ah, é assim? Não paga nada?!??!
- Não... Ou você acha que tudo o que sai no jornal é pago? Você acha que as notícias que você lê diariamente são pagas?
- É... Eu achava... Então está bem, o que você quer que eu mande por escrito?
- Aquilo que você quer que saia no jornal...!
- E como faz?
- Você pode mandar por fax, pelo correio ou deixa na portaria. (naquele tempo não havia whatsapp, email, mesanger, facebook etc)
- Ah, tá... e tem endereço?
- Tem, claro! Pode anotar (...)
5)
(Trim, trim)
- Alô!
- Viu... eu sou muito fã do Luís Melo.
- Sei...
- ... E ele tá fazendo um filme americano.
- ... ãh
- ... Você tem mais informação pra dar pra gente?
- Não, não tenho.
- Não?!?!?!?
- Não.
- ...
- ...
- ... Tá bom.
6)
(Trim, trim)
- Alô
- É você que tá procurando pra mim?
- O que? Como assim? Procurando o que para quem? Eu não sei sobre o que você está falando...
- Tem uma moça procurando os ingressos da Gal pra mim, ela achou?
- Como? Que moça?
- Ah, não sei o nome dela. Falei com ela hoje cedo e ela disse que ia procurar.
- Bem, não fui eu. Tenta ligar mais tarde, pois foi todo mundo foi almoçar, e vê se consegue descobrir a moça, tá?
- Tá, obrigada, tchau!
7)
(Trim, trim)
- Alô!
- Você pode me dar uma informação?
- Pois não.
- Quanto custa uma lauda?
- ...? Olha, a gente não trabalha mais com lauda, agora as matérias são feitas por computador. Para saber isso, você tem ligar no Sindicato dos Jornalistas.
- Me dá o número do telefone.
- ... um minuto (falando fora do gancho, mas bem audível para quem está do outro lado da linha) Alguém tem fácil aí o número do telefone do Sindicato dos Jornalistas? (...) (volta ao telefone) Meu bem, por que você não procura na lista telefônica?
- Ah, tá bom. É assim que se chama mesmo, Sindicato dos Jornalistas?
- É...
- Tá, obrigada.
(Passam-se cinco segundos)
(Trim, trim)
- Alô!
- Oi, eu falei agora com você sobre lauda... Me informaram no sindicato que uma lauda são 20 linhas com 70 toques. O que são 70 toques?
- Toques são caracteres.
- ...?!?!?!?
- Quando tinha máquina de escrever, era quantas vezes a gente bate na barra de espaço ou em cada letrinha, entendeu? Agora, com o computador, eu não sei se ainda é assim, eu acho que o próprio sindicato pode te ajudar, liga lá novamente
- Ah... tá bom. Tchau.
8)
(Trim, trim)
- Alô!
- Aí é do setor de jornalismo?
- É, sim.
- Sobre eventos, eu falo com quem?
- Depende, evento do quê?
- Esportivo
- Você fala com o pessoal de esportes
- Você é do Esportes?
- Não, eu sou da área cultural
- Ah, então você avisa o pessoal do esporte que está acontecendo um evento hoje no Shopping Ouro Verde, tá bom?
- Querido, não está bom porque eu estou super ocupada com outras coisas e, com certeza, vou esquecer esse recado daqui a alguns minutos. Você tem de ligar depois das 14 horas e pedir para falar com o pessoal de Esportes, tá?
- Ah, então tá. Tchau.
Katia Fonseca é jornalista e pessoa com deficiência física. Trabalhou mais de 30 anos no Correio Popular de Campinas. É atriz e ativista na defesa dos direitos das pessoas com deficiência e das pessoas idosas.
Amei! Me diverti e foi como voltar à redação. Ai, o leitor, o leitor é demais!