Nariz de Cera
- URRO

- 13 de ago.
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Os ossos (molhados) do ofício
Por Paulo Reda
A inspiração para essa divagação veio de um artigo publicado pelo poeta Vinícius de Moraes na edição número 47 do velho Pasquim, que circulou entre os dias 14 e 20 de maio de 1970, com o título “Antônio Maria: uma velha crônica”, que foi republicada na antologia “Os sabiás da crônica”.
Em determinado trecho, Vinícius relembra com orgulho o destino dado a um de seus textos. “Em setembro desse mesmo ano, eu escrevi uma página que teve a honra de ser espetada a tachinha na camurça verde do quadro do clube (no caso, o Clube da Chave, um dos destinos da boêmia carioca nos anos 50), perto da porta do mictório”. Nesse quesito, posso contar uma história que, de certa forma, suplanta a do ‘poetinha’, que nos superou em praticamente tudo.
Em dezembro de 1991, na companhia do músico, jornalista e produtor cultural Julinho Bittencourt, fiz uma entrevista inesquecível (e hilária) com Dori Caymmi. A conversa aconteceu no saudoso Bar da Praia, e teve como espectadores especiais o nosso anfitrião, o queridíssimo (e infelizmente recém-falecido) Eduardo Caldeira, e dois amigos – José Antônio Pereira de Sousa, conhecido nos balcões e mesas de bar como Japs, e o Paulo Sérgio Mendes, vulgo Buldogue.
A entrevista foi publicada poucos dias depois na Tribuna de Santos. Naquela época, batíamos ponto em alguns bares santistas, entre os quais o Torto, comandado (ao menos musicalmente) pelo Julinho. Estava lá certa noite quando ele me disse que uma cópia da matéria havia sido colocada na parte de dentro da porta do banheiro feminino do bar, que naquela época era frequentado por algumas das meninas mais lindas do litoral paulista (e por muitas turistas também).

Não resisti à curiosidade e, como naquele horário o lugar ainda estava vazio, pedi para conferir “com meus próprios olhos” a proeza. E lá estava ela, em um local nobre do banheiro feminino, onde poderia ser vista por praticamente todas as mulheres que por ali passassem. Esse talvez tenha sido um dos momentos mais gloriosos da minha trajetória jornalística!
Mas nem só de glórias vive o jornalismo. Ali mesmo naqueles arredores vivi outra experiência que atesta a precariedade do que nós, jornalistas, escrevemos. Do outro lado do Canal 4, existia um boteco pé sujo, o Anhembi, onde costumávamos, duros eternos, fazer o “esquenta” antes de ir para o Torto, já que por lá a cerveja era mais barata e o banheiro mais vazio.
Já com várias cervejas (e talvez algo mais) na cabeça, estava uma madrugada por lá, fazendo o santo e vasto xixi dos bêbados, quando olho para o chão e vejo que uma matéria de minha autoria forrava o chão imundo do mictório. Após segundos de hesitação, resolvi eu mesmo “regar” a minha obra, já que o mesmo já deveria ter sido feito por tantos outros. São os ossos (molhados) do ofício.
Paulo Reda é jornalista, com passagens por diversos veículos de comunicação. Crítico literário, musical, cronista e poeta bissexto.



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