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Nariz de Cera

  • Foto do escritor: URRO
    URRO
  • 29 de mar.
  • 2 min de leitura

Além do troco

Por Gilberto Gonçalves


Esse caso aconteceu há 46 anos. De lá pra cá muita coisa mudou na forma de fazer jornalismo, principalmente na produção de reportagens. Quem vê o jeitão atual das entrevistas rápidas por telefone, o copia e cola das redes sociais e a revisão processada via Inteligência Artificial para ganhar tempo, não faz ideia de como as redações funcionavam há algumas décadas. Só quem passou pelo jornalismo raiz consegue perceber as diferenças, nada sutis.


Assim essa reportagem especial feita na CCTC, a companhia de ônibus urbano que atendia o transporte coletivo da cidade nas décadas de 1970 e 1980. Para realizá-la, me submeti ao processo seletivo para cobrador, fui aprovado e trabalhei na função por cerca de um mês. A experiência rendeu uma semana de matérias que ocuparam várias páginas inteiras cheias de denúncias. Um trabalho difícil de se ver hoje...

Agora todos os detalhes. Em 25 de novembro de 1979, e com apenas um ano de formado em Jornalismo pela Puccamp, fiz os alicerces da então poderosa CCTC (Companhia Campineira de Transportes Coletivos) tremerem.

 

No alto da capa do então "J"ornal Correio Popular daquela edição de domingo na foto que ilustrava a manchete "Nosso repórter, como cobrador, vê a CCTC por dentro e por fora" aparecia um cobrador que, na realidade, é este jornalista/repórter.


Reportagem de capa do Correio Popular: jornalismo raiz na veia


A matéria

 

Alguém já imaginou hoje o que é um repórter ficar "fora da pauta" pelo tempo que for necessário para a produção de uma matéria específica? Algo muito difícil acontecer. Naquela época acontecia e até com uma certa frequência. Foi assim para a realização da série sobre os cobradores de ônibus.

 

Antonio Carlos Di Julio, o chefe de Redação queria que eu e Antonio Carlos Fava fizéssemos uma matéria para descobrir e apontar como e por que faltava troco nos ônibus da CCTC.


A ideia era que nós dois viajássemos o dia inteiro, pra lá e pra cá, nas mais diferentes linhas, sentado ao lado do cobrador para observar o trabalho dele. Afinal, todo mundo pensava que o cobrador era o "ladrão do troco".

 

Discordei e discuti a possibilidade de uma matéria mais profunda, cujo foco não fosse apenas o cobrador. Me prontifiquei a produzi-la. De pronto fui liberado por tempo indeterminado da pauta. Em mais de um mês de trabalho mostrei que a CCTC tinha mais culpa que o cobrador na questão do troco e muito mais ainda.

 

Apontei descalabros no processo seletivo da empresa, na segurança interna e na relação com seus funcionários. Mostrei irregularidades graves na obtenção de documentos como Carteira de Saúde entre outras, e ainda contei histórias emocionantes ouvidas dos ‘colegas’ de trabalho.

  


Gilberto Gonçalves, que se identificava como “apenas um repórter”, morreu em 6 de março de 2025, vítima de câncer. Torcedor fanático do Santos, atuou em jornal, rádio e consultoria de comunicação. Foi professor de Jornalismo na PUC-Campinas, diretor do Sindicato dos Jornalistas. Criou o Blog Corpo 12 e o jornal Alto Taquaral, seu último trabalho.

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