Luz Profana
- URRO
- 15 de ago. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 21 de jun. de 2022
A Terra merece animal mais nobre
Por Carlota Cafiero

Dizia-se, muito tempo antes das Escrituras, que após serem criados o mar e os peixes, o ar e as aves, a terra e os quadrúpedes, a Terra necessitava de um animal mais nobre, e então foi criado o Homem. Prometeu tomou um pouco da terra, misturou-a com a água e fez o ser humano à semelhança dos deuses.
Na mitologia grega, Prometeu era um titã, raça gigantesca que habitou a Terra antes dos deuses do Olimpo (Zeus, Hera, Apolo e outros). Para a missão de criar os seres vivos, ele teve ajuda do irmão, Epimeteu, que se encarregou de distribuir as qualidades necessárias à sobrevivência de cada espécie, tais como força e rapidez, garras e asas. Mas, ao chegar ao homem, notou que não havia sobrado dom algum.
Perplexo, recorreu ao irmão, Prometeu. Com a ajuda de Atena, a deusa da sabedoria, o titã concedeu à humanidade a capacidade de raciocinar e mais: subiu ao Olimpo para furtar o fogo divino e entregá-lo ao homem, por meio de uma tocha acesa – e aí repousa o simbolismo da tocha olímpica que conhecemos. O presente foi ofertado com o objetivo de assegurar que a humanidade se superasse frente aos outros animais.
Eternamente, Prometeu será atacado por uma ave de rapina, que fustigará suas vísceras com o bico, mas a carne do titã será sempre regenerada, provocando novos ataques do animal.
Zeus, o deus mais poderoso do Olimpo, ultrajado com a traição de Prometeu – por ter se afeiçoado mais à humanidade do que às divindades -, feriu-o no tronco, expondo seu fígado, e acorrenta-o a uma rocha, defronte ao deus Oceano. Eternamente, Prometeu será atacado por uma ave de rapina, que fustigará suas vísceras com o bico, mas a carne do titã será sempre regenerada, provocando novos ataques do animal.
Desse mito nasceu uma das obras teatrais mais conhecidas e adaptadas da tragédia grega, Prometeu Acorrentado, de Ésquilo (525 a.C.- 456 a.C.), inspirando também diversos pintores a retratar o castigo de Prometeu, como a pintura que ilustra este texto, intitulada Prometheus Bound, realizada entre 1611 e 1612, do artista barroco Peter Paul Rubens.
Com o domínio do fogo, o homem pôde iluminar a escuridão, se aquecer, forjar suas ferramentas... e, assim, da Idade do Ouro, marcada pela inocência e pela natureza provendo tudo à humanidade, o homem passa à Idade da Prata, a era da tomada de consciência, quando passa a ter de plantar para comer.
Mas a saga humana segue. E, hoje, podemos afirmar que vivemos a Idade da Idiotia.
Da Idade da Prata segue para a Idade do Bronze, quando começa a subjugar sua própria espécie pelas armas; e, desta, para a Idade do Ferro, que marca o início da era da criminalidade, da mentira, da cobiça, do individualismo, das guerras e da exploração da natureza para a retirada de minérios e metais.
Mas a saga humana segue. E, hoje, podemos afirmar que vivemos a Idade da Idiotia. Nunca o homem dominou tantas ferramentas – mecânicas, tecnológicas, digitais –, mas, contrariando o desejo prometeico de garantir a preservação da espécie, trabalha cada vez mais para sua própria extinção.
Diante de um poder invisível, criado ou provocado por nós, em nossa prepotência e ignorância diante das leis naturais e sobrenaturais, seguimos fustigando nossa própria carne, tal qual no mito de Prometeu, mas numa autoimolação.
Como escreveu Rafael Argullol no livro O Fim do Mundo Como Obra de Arte, “não podendo escapar do grupo dos condenados, o homem necessita forçar continuamente sua condição, para estimular-se o fascínio de acreditar-se salvo”. E, assim, revisitamos a tragédia de Prometeu, quando, como escreveu Argullol, “deuses e homens estão acorrentados à violência, às ilusões efêmeras de triunfo e à derrota inevitável”.
Carlota Cafiero é jornalista e historiadora da arte.
Ilustração: Prometheus Bound de Peter Paul Rubens.
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