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Luz Profana

  • Foto do escritor: URRO
    URRO
  • 24 de nov.
  • 5 min de leitura

Por Carlota Cafiero

Por que faço o que faço?


Dinheiro público desviado em licitações e contratos falsos e propinas, carros de luxo e joias apreendidos em mansões. Aposentados e pensionistas tendo seus parcos e suados recursos desfalcados por descontos para associações e entidades sociais de fachada. Este é o Brasil que vemos quase todos os dias nos noticiários e, enquanto a Polícia Federal cumpre mandados de apreensão e prisão em quase todos os estados, nós, o povo, o povão seguimos acreditando em fórmulas mágicas para sair do nível da sobrevivência: um bilhete premiado, um canal dark com milhões de views.


No meio disso tudo, tem os artistas, aquelas pessoas que precisam criar, pintar, tocar, compor, cantar, escrever, desenhar, filmar, encenar, dançar, enfim, se expressar artisticamente, mas por que mesmo? Ah, e tem também os jornalistas de Cultura, que, em meio a tantos escândalos do colarinho branco, não conseguem emplacar manchete alguma, mas realizam um trabalho de fôlego e de importância histórica e social, porque ajudam a formar o público para a fruição artística. Afinal, sem espectadores, leitores, ouvintes, visitantes de museus e galerias qualificados, como atingir o âmago dos seres humanos? Como comunicar a uma alma seca e estéril de referências e com total falta de sensibilidade e capacidade de contemplação?


Os jornalistas culturais são mediadores precisos e preciosos entre artistas e público, pois são os especialistas, os críticos de arte, e, muitas vezes, também são artistas sem o saber ou assumir; afinal, escrever bem e com estilo exige estudo, prática e experiência, coisas necessárias também ao bom artista. Por outro lado, o jornalista cultural também é público, pois ele usufrui dos bens culturais como espectador, leitor, ouvinte etc, mas faz parte de uma audiência qualificada e, portanto, exigente e necessário para a busca por excelência por parte de quem cria, por parte dos criadores de arte.


Com isso, não quero aqui dizer que somente espectadores cultos podem usufruir da arte, pois a sensibilidade humana não se conquista apenas com berço, estudo ou formação. Há públicos sensíveis em todas as classes ou camadas sociais, tanto quanto há artistas sem qualquer formação em qualquer linguagem. Porém, quanto maior o acesso das pessoas ao estudo, à conquista de um diploma e aos bens culturais, como técnica e conteúdo, melhor será a capacidade criativa e de assimilação desse público.


Porém, alguém já disse que vivemos em tempos de Idade Mídia (numa irônica comparação com a sombria Idade Média), em que a atenção e a alma das pessoas, da pobre à rica, está sendo sequestrada por conteúdos duvidosos, coloridos e iluminados artificialmente. Tempos em que os cadernos de cultura dos jornais impressos (sim, ainda existem e resistem) não impactam mais os leitores e os artistas, não fomentam mais o cenário artístico, não ensejam movimento algum. Dificilmente veremos, na imprensa brasileira, textos de mentes tão brilhantes quanto as de um Mario de Andrade, um Lima Barreto, João do Rio, Clarice Lispector, Otto Lara Resende, Ivan Lessa, Carlos Heitor Cony. Ter, hoje, um Ruy Castro ativo e operante na página de opinião da Folha de S.Paulo chega a ser um abençoado anacronismo.


Mas aí, sem querer me comparar com os grandes nomes acima citados, em Campinas, aparece uma garota do interior (tá, nascida na capital, mas crescida em Campinas), que, primeiro, sonhou com e fez arte, mas voltou-se à escrita, formou-se jornalista, iniciou-se num caderno de cultura do principal jornal da cidade, onde, por quase dez anos, escreveu sobre de tudo um pouco, especialmente teatro (inclusive críticas) e artes plásticas, visitando exposições e ateliês, conversando com os artistas, querendo entender processos, assistindo as obras sendo pensadas e nascendo.


Em 2012, ela então se muda para o litoral paulista, Santos, onde volta a escrever para caderno de Cultura, e retoma o trabalho de ajudar a tornar leitores fruidores de arte. Em 2018, deixa a redação, vai para a sala de aula, formar novos jornalistas, perde um dos olhos durante a pandemia (devido à alta miopia), tem o outro e único olho capenga, mas, mesmo assim, insiste em enxergar beleza no ato criador, na criação de mundos pelos artistas.


Essa mulher sou eu, que, durante o trabalho como repórter na redação, entre 2015 e 2018, desenvolveu um projeto que envolve reportagens em ateliês de arte de Santos, capturando o momento da criação dos artistas, numa série de matérias publicadas em jornal local, mais tarde reunidas em livro e exposição, no projeto “Por dentro do ateliê”, realizado em novembro de 2019 e, seis anos depois, em novembro de 2025. As duas edições do projeto foram contempladas pelo Facult Santos – Concurso de apoio a projetos culturais independentes, da Secretaria de Cultura e da Prefeitura de Santos.


O projeto nasceu da parceria com o fotojornalista Claudio Vitor Vaz, também meu parceiro de vida, que é monocular desde criança – portanto, posso dizer que nos completamos e que o projeto é de autoria de duas pessoas com deficiência sensorial, mas nem por isso menos sensíveis ou capazes.


Com R$ 20.000,00 (valor total do prêmio), conseguimos produzir um livro com dez reportagens fotos coloridas e vídeos (QR Codes) sobre dez artistas plásticos de Santos, após dois meses visitando ateliês e entrevistando os nomes pré-selecionados; e uma exposição coletiva com mais de 40 obras dos artistas entrevistados, na principal galeria pública da cidade, a Braz Cubas, no foyer do Teatro Municipal, com entrada franca em vernissage com bufê e música ao vivo, promovendo uma verdadeira festa das artes, com encontros preciosos entre artistas, espectadores e produtores culturais da região.


Imprimimos 150 exemplares, dos quais 10 foram distribuídos para bibliotecas públicas e instituições culturais e entidades sociais de Santos, além dos dez aos artistas e mais algumas unidades distribuídas a autoridades e jornalistas. A sobra de exemplares foi vendida durante a abertura da exposição e também será colocada à venda em livraria local, como forma de cobrir os custos extras do projeto.


Todas as reportagens, ações e divulgação do projeto tem sido amplamente reportado na imprensa local e também nas redes sociais (@pordentrodoatelie). Assim, os artistas ganham projeções de seus nomes e alcançam diferentes públicos. Artistas que, antes do projeto, criavam solitários em seus ateliês, e agora se veem parte de uma cena artística muito rica, à qual não faziam ideia existir (alguns não faziam mesmo e ficaram surpresos com a força e beleza dessa cena, com diferentes gerações e estilos criando num mesmo momento e contexto histórico, geográfico e cultural). Os artistas dessa edição são: Lidia Malynowskyj, Elver Savietto, Dicart, Ramon Arzerra, Alê Vilaverde, Rachel Midori, DeLone, Vevss Barba, a FASE! e Natália Brescancini, nomes dos 35 aos 70 anos, com diferentes formações e linguagens: escultura, cerâmica, gravura, pintura, grafite.

Iniciativas como a de “Por dentro do ateliê” fortalece essa cena, empodera artistas, faz sonhar e querer mais, pois mapeia e registra a atual produção, cria história, documenta para esta e futuras gerações. Espero vida longa ao projeto, e isso depende de gestão pública responsável, com valorização dos artistas e produtores culturais locais, e da saúde dos nossos olhos. 

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Obra de Adriano Dicart


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1+1=1: Acrílica sobre painel de Adriano Dicart


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Palavras de um Milésimo gol: Acrílica sobre painel de Adriano Dicart


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Nézio: Tinta acrílica sobre painel de madeira de Ramon Arzerra


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Floresta #2: Tinta acrílica sobre papel de Ramon Arzerra


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Pintura do grafiteiro e artista plástico Edgard Vieira, que assina como "a FASE!"


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Pintura do grafiteiro e artista plástico Edgard Vieira, que assina como "a FASE!"


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Pintura do grafiteiro e artista plástico Edgard Vieira, que assina como "a FASE!"


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Pintura do grafiteiro e artista plástico Edgard Vieira, que assina como "a FASE!"




Carlota Cafiero é jornalista e historiadora da arte.

 

 

 

 

 

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