Luz Profana
- URRO
- 21 de mar.
- 3 min de leitura
Atualizado: 24 de abr.
Uma janela para dentro da nossa humanidade
Por Carlota Cafiero
Cultura não é escape, é encontro. Tratada como perfumaria nos veículos de comunicação, como soft news nos telejornais, a editoria de cultura deveria ser mais valorizada na imprensa nacional, pois é a porta de entrada de muitos futuros leitores para conteúdos jornalísticos.
Eu era adolescente quando sacava o suplemento cultural de jornalões como Correio Popular, Estadão e Folha, para consumi-lo de “cabo a rabo”: das reportagens de capa aos horóscopos e tirinhas. Não tinha internet naquele tempo, então, a leitura era aprofundada, concentrada.

Caderno B do Jornal do Brasil: criado em 1960, foi primeiro caderno cultural brasileiro
Os cadernos de cultura forjaram a minha formação e pensamento crítico. O que conheço e aprendi a apreciar como público foi por meio de jornalistas e críticos de arte como Kátia Fonseca, João Nunes, Jary Mércio, Luiz Carlos Merten, Daniel Piza, Barbara Heliodora, Valmir Santos, Nelson de Sá, Jotabê Medeiros, André Barcinsky.
Nos anos 1990, eu morava em Campinas, perto do teatro do Centro de Convivência Cultural, com amplo acesso a concertos, peças teatrais, exibições de filmes e exposições. Foi naquelas galerias de arte, auditório e teatro de arena que desenvolvi a minha sensibilidade para as artes e alimentei a minha humanidade – porque não só de pão vive o homem.
Com o desejo de conhecer novos coletivos, movimentos, artistas e suas criações eu me reconheci como gente e agente sócio-cultural, e me orientei no caos do mundo. Em 1996, o jornalismo cultural foi uma escolha profissional muito consciente para mim, que estava então com 21 anos e trabalhava como professora do Ensino Fundamental.
Descobri o poder curativo da arte enquanto eu enfrentava a falta de tempo, grana, solidão, dores e dúvidas de uma jovem urbana e deslocada; e descobri que nós, espectadores, somos coautores das obras, que se completam em nós. Sem público, o artista é um profeta pregando no deserto, tanto quanto sem o jornalismo cultural.
Afinal, a reportagem não só divulga a obra como documenta processos, a ética e a poética do criador, evoca e provoca ações, reações e movimentos, incentivando o contraditório, num saudável debate cultural.
A boa reportagem, feita com seriedade e profundidade, a crítica bem embasada, mesmo que, por vezes, seja dura, também dissemina pensamentos e pensadores, jornalistas e críticos que entram para a história com sua contribuição para a formação de público e o desenvolvimento da cultura do país.
José Ramos “Tinhorão” (1928-2021) fez nome e história após ser convidado para pesquisar e escrever sobre samba em uma série para o Caderno B, suplemento do Jornal do Brasil, nos anos 1960.
Foi com a missão de dissecar as raízes da música popular brasileira que o advogado e jornalista fez as primeiras entrevistas da vida de Donga, Pixinguinha, e outros músicos e compositores que ainda não tinham sua biografia registrada na imprensa.
Bem antes, o Movimento Modernista fincou raízes e deu frutos com a revista mensal Klaxon (1922-1923). O jornalista Daniel Piza, no seu pequeno e precioso livro “Jornalismo Cultural” (Editora Contexto, 2003), registrou: “O modernismo paulista teve na linha de frente a revista Klaxon, título que significa ‘buzina’; e o ‘buzinaço’ promovido por Oswald de Andrade, Mario de Andrade, Victor Brecheret e outros no Teatro Municipal, a Semana de 22, ecoa até hoje”.
A imprensa e seus suplementos culturais são plataformas sólidas num mundo cada vez mais fluído, disperso e distraído. E eis aqui a nossa revista URRO! Contragolpe Cultural, surgida na pandemia de Covid-19, como um grito de desespero e alívio entre discursos polarizados de ódio.
Ao completar 20 edições digitais, a URRO!, com seu layout elegante, seu editorial, seus cartuns, poesia e colunas, é como uma ilha no oceano de quinquilharias passageiras de TikTok, Kway, Shorts e outros que tais. Fôlego longo a URRO!
Carlota Cafiero é jornalista e historiadora da arte.
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