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Atualizado: 15 de mar. de 2023

Quando o passado se cruza com o presente

Por Maurício Simionato


O curta Orquestra das Diretas relata a participação da Sinfônica Municipal de Campinas na campanha das Diretas Já, na década de 1980. Essa campanha pediu o fim da ditadura militar e a implantação das eleições livres no Brasil. A Orquestra teve um papel importante nesse processo, realizando diversos concertos em comícios históricos e manifestações emblemáticas a favor das eleições.


A URRO! entrevista o cineasta e professor Caue Nunes, autor do documentário “Orquestra das Diretas”, que ganhou o Prêmio de Júri Popular no FAM (Florianópolis Audiovisual Mercosul 2022). “Orquestra das Diretas” venceu a categoria Mostra Especial Lei Aldir Blanc.


Nesse bate papo, o cineasta conta um pouco sobre as dificuldades enfrentadas pelo setor de audiovisual, os desafios de conseguir recursos para fazer cinema no Brasil, principalmente nos últimos quatro anos, e sobre a relação entre as Diretas Já e o momento atual em que bolsonaristas tentaram sequestrar as cores da bandeira nacional e o hino nacional para defender coisas absurdas como a volta da Ditadura e uma delirante situação de “intervenção federal”.


Orquestra Sinfônica de Campias, regida pelo maestro Benito Juares. Foto: Arquivo da PMC

URRO! - O filme traz uma relação histórica do Brasil de hoje com o Brasil que se mobilizou pelas Diretas Já e pela Democracia, em 1985, usando o verde e amarelo da bandeira nacional, mesmas cores usadas hoje por grupos de pessoas que pedem coisas como intervenção federal, a volta da Ditadura e o fechamento do STF. Como você avalia esse paralelo retratado no seu filme A Orquestra das Diretas?

Caue Nunes – Quando eu pensei no filme pela primeira vez, foi antes dessa onda conservadora ressurgir. Essa relação foi surgindo durante a produção do filme. A própria Glória Cunha, que uma das integrantes da Orquestra, diz que na época quem vestia verde e amarelo, cantava o hino e se identificava como nacionalista, eram as pessoas que eram a favor da ditadura. Quando veio o movimento pelas Diretas Já, o que o movimento progressista fez foi retomar estes símbolos e começar a usar o verde e amarelo e a cantar o hino também. A própria Orquestra tocava o hino do Brasil porque os militares tentavam sequestrar o hino. Isso acabou acontecendo de novo com a onda do bolsonarismo, com gente de verde e amarelo, se dizendo patriota. Atualmente, você vê alguém de verde e amarelo e você já identifica politicamente a pessoa. Quem tem uma posição diferente até parou de usar o verde e amarelo para não ser confundido com bolsonarista. O que na verdade acontece é uma disputa simbólica por aquilo que representa o Brasil, com um grupo tentando se apossar destes símbolos brasileiros. Isso é muito parecido com o que acontecia na época da ditadura militar [que durou de 1964ª 1985]. Então, não é à toa que os militares terem usado essa estratégia para voltar ao poder. O filme, apesar de falar do passado, acabou indiretamente falando do presente.


URRO! - O filme então traz essas indicações históricas para que esses símbolos como a bandeira e o hino sejam resgatados novamente por todos os brasileiros?

Caue Nunes - Exatamente. O que a Glória Cunha fala é que, na época, eles (Orquestra) tiveram de resgatar estes símbolos e, hoje em dia, deve ser feito a mesma coisa. Por isso que eu decidi deixar na parte final do filme a Orquestra tocando o hino. Inicialmente, não teria isso no filme. Só que eu decidi manter o hino porque ficou uma discussão recente e atual.

URRO! – Como e quando surgiu a ideia de retratar a participação da orquestra nas Diretas?

Caue Nunes - Eu tinha um desejo inicial de fazer um documentário sobre a história da Orquestra de Campinas no geral. Comecei a fazer pesquisas para saber os eventos mais importantes da história da Orquestra e foi nestas pesquisas que descobri esse fato de a Orquestra ter participado das Diretas Já. Como eu consegui dinheiro para fazer um curta-metragem, não daria para contar a historia inteira da Orquestra num curta. Então, eu resolvi escolher um período e um dos períodos mais interessantes eu achei que foi essa dos anos 1980 e de participação nas Diretas. Daí nasceu essa ideia de fazer este recorte.


URRO! – Você tocou nesse ponto da dificuldade de conseguir verbas para fazer cinema no Brasil. Como você avalia as políticas de cinema nesse período dos últimos quatro anos, do governo anterior, para o cinema brasileiro?

Caue Nunes – Foi bastante ruim, no sentido de que houve um desinvestimento na área, que inclusive tem um impacto econômico importante. Saiu uma pesquisa realizada pela SP-Cine que mostra que cada Real investido em cultura retorna para a economia muito mais do que o que foi investido. Então precisamos desfazer essa ideia de que dinheiro público investido em cultura é um dinheiro perdido. Na verdade, esse dinheiro investido vai gerar uma série de empregos e vai fazer circular as obras, gera renda e faz com que a economia criativa, que é a economia de quem trabalha com cultura, seja de fato uma economia importante, que gera emprego e gera renda. Então a falta de investimento na cultura no governo anterior contribuiu para essa crise econômica que vivemos neste período.


URRO! – Qual a dificuldade de conseguir a verba para esse filme?

Caue Nunes – Um fato curioso é que esse filme foi financiado pela Lei Aldir Blanc, que foi uma lei que foi tramitada pelo Congresso Nacional, mas que o Bolsonaro vetou e foi contra. Daí, o Congresso derrubou o veto dele. Então, no começo do filme aparece lá que o ‘governo federal apresenta o filme’. Mas esse é um filme que critica a ditadura e critica os militares, mas que foi financiado pela Lei Aldir Blanc durante o governo Bolsonaro. No entanto, não foi financiado pela vontade do governo, porque o Bolsonaro vetou a lei e teve o veto derrubado pelo Congresso. Se dependesse do Bolsonaro e do seu secretário de Cultura, não teria a lei. Na área da Cultura foi um governo péssimo. A esperança é que aconteça uma retomada agora.

URRO! – Agora que foi recriado o Ministério da Cultura, o que seria uma prioridade nessa nova fase para o setor de Audiovisual?

Caue Nunes – A primeira coisa é retomar o ministério e retomar o orçamento do ministério para as políticas públicas. Quando eu falo de retomar investimentos nas políticas públicas, eu não falo só de investimentos diretos no governo na cultura, mas de incentivar também as parcerias público-privadas, que é uma coisa que sempre aconteceu na cultura. A direita fala muito mal da Lei Rouanet, mas a Lei Rouanet é um ótimo exemplo de parceria entre Estado e iniciativa privada, porque é um dinheiro que é investido em contrapartida ao abatimento de impostos. No audiovisual, acho que precisa avançar a discussão sobre a participação desse setor nas plataformas online. Acho que essa discussão é sobre incentivar e ter mais participação nas plataformas.

URRO! – Então seria uma discussão na tentativa de levar estes filmes brasileiros para um maior número de pessoas por meio destas plataformas?

Caue Nunes – Sim, mas não só atingir mais público, mas a gente não ter só conteúdo estrangeiro. Porque grande parte das plataformas tem os produtos estrangeiros em grande maioria. Ter espaço para outros tipos de formatos audiovisuais que não sejam os formatos hegemônicos norte-americanos, até para a gente fugir dos algoritmos que fazem a gente ficar numa espécie de bolha audiovisual. Interessante que a gente tenha documentários, vídeo-arte, enfim, outras formas narrativas que não somente as formas tradicionais, que estamos acostumados a ver.


URRO! – De qualquer forma, só a retomada destes temas já é um avanço importante para o setor. Já é um bom sinal?

Caue Nunes – Além de retomar estas políticas públicas é importante também ter políticas púbicas de acesso ao audiovisual. Debater como as pessoas podem ter mais acesso. Hoje ainda é uma coisa bastante elitizada, mesmo as plataformas tendo um preço mais acessível, mas ainda assim uma parcela considerável da população não tem acesso, por questões financeiras. Então é preciso melhorar esse acesso. Essa é uma discussão que não fala só sobre quem produz, mas sobre o público consumidor.


Caue Nunes: é interessante termos outras formas narrativas que não somente as tradicionais


URRO! – Voltando um pouco ao filme, como foi o processo de pesquisa e como foi localizar estas imagens usadas no filme?

Caue Nunes – Primeiro a gente começou a conversar com os músicos da Orquestra e conversar com os músicos que hoje estão aposentados da Orquestra, mas que têm a memória viva e uma história oral dessa época. Depois, fomos fazer a pesquisa em meios oficiais, tanto no arquivo da própria Orquestra. A gente encontrou imagens de um fotógrafo, que é o Luiz Granzoto, que foi fotógrafo da Prefeitura de Campinas por muitos anos e que foi o fotógrafo que acompanhou a Orquestra durante este período nos anos 1980. Tem muitas fotos dele e a gente acessou este acervo via Prefeitura. Depois fomos pesquisar notícias de jornal da época. A gente foi conseguir muita imagem na TV Cultura. Fizemos pesquisas na Rede Globo, mas o preço da Rede Globo é muito alto e a gente não tinha verbas para comprar as imagens da Globo, apesar de serem imagens boas. A gente acabou comprando mais imagens da TV Cultura e da EPTV de Campinas. Além de muita história contada pelos músicos, que viveram a época.


URRO! – Como está a participação do filme em festivais?

Caue Nunes – O último festival que o filme participou foi a Mostra de Tiradentes [MG], que foi em janeiro passado. Eu fui para o festival e o filme foi exibido na praça central da cidade, que estava cheia de pessoas. Foi uma exibição que tinha vários curtas e um deles era o da Orquestra das Diretas. O filme participou também do festival FAM (Florianópolis Audiovisual Mercosul) e ganhou um prêmio do público, de júri popular como melhor curta. É legal ver essa resposta muito boa do público. O filme também participou do festival de documentários musicais em São Paulo no ano passado.

URRO! - Como as pessoas podem assistir ao filme? Ele está disponível?

Caue Nunes – Ainda não tem acesso aberto na internet porque o filme ainda está participando de festivais e os festivais pedem que o filme esteja inédito na internet. Por enquanto, o filme não está aberto na internet por conta disso, mas a ideia é que o filme seja liberado na internet quando a carreira do filme acabar nos festivais. Tenho a ideia de exibir o filme em Campinas, em alguns cineclubes. No ano passado, o filme foi exibido no Sesc-Campinas também.

URRO! – Já tem projetos para novos filmes?

Caue Nunes – Sim, temos ideias, mas ainda estamos na parte inicial que é a de correr atrás de recursos, mas tem projetos sim.

URRO! – Como é essa parte inicial de correr atrás de verba?

Caue Nunes – É uma parte que demanda mais tempo e que a gente tem de gastar toda nossa energia para conseguir grana. Agora é uma fase em que a gente tem de participar de editais para tentar viabilizar os novos projetos.


Maurício Simionato é jornalista e poeta.

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