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Como assistir a filmes ruins Parte III

  • Foto do escritor: URRO
    URRO
  • 15 de ago. de 2020
  • 4 min de leitura

Por Paulo de Tarso Coutinho Vianna de Sousa



Suspensão da crença

Quando entramos em um cinema ou assistimos um filme na tv, existe um processo chamado “suspensão da crença[1]” ou da descrença. Nos filmes, se pudermos chama-los de normais, o efeito se aplica plenamente. Mas nos filmes ruins acontece que o efeito não funciona, pois apesar de todos os esforços você sabe que se trata de uma farsa. O resultado pode ser duplo, você desiste do filme (eu não faria isto!) ou você se diverte sabendo que se trata de um trabalho que busca a suspensão mas não consegue, e por isto pode se tornar divertimento.


A suspensão da crença, é o processo que nos permite acreditar naquilo que estamos vendo na tela. Durante o filme vemos coisas que não seriam possíveis na vida real, acontecem milagres, mortos retornam a vida, e todos esses elementos são críveis a partir da suspensão.


Luciano de Samósata, um satírico e critico do II século da nossa era, criticou costumes, em especial o fato de se acreditar que um deus pudesse morrer na cruz! A Luciano é atribuída a suspensão da crença, como um processo. No seu “livro”[2] Uma História Verdadeira ele conta uma historia criticando escritores que contam coisas que não existem, chamando-os de mentirosos, no final ele pede desculpas ao leitor dizendo ser também um mentiroso pela história que conta.


A suspensão funciona muito bem nos filmes chamados bons. Mas nos ruins ocorre um fato curioso, falhas de roteiro, de continuidade ou fato em que se percebe algum absurdo não lógico, o encanto se quebra. Se por um lado pode provocar uma perda do interesse no filme, por outro lado pode despertar um lado critico do espectador ao procurar novas falhas nos filmes.


Exemplifico, esses dias, zapeando, assisti um filme chamado “Turbulent Skies” Ceus turbulentos[3]. A quantidades de falhas de roteiro e continuidades, é tão grande que passa de um filme dramático para a comedia, em pouquíssimo tempo. O filme se passa em 2012 (o fatídico ano do fim do mundo, não por acaso) onde um sistema de controle de voo autônomo é testado, com passageiros e investidores a bordo!!! O software entretanto está contaminado com um vírus e passa a tomar controle do voo. O computador de bordo é uma geringonça com leds azuis, mas internamente se parece com um radio antigo, os técnicos para consertar o software utilizam chaves de fendas e alicates (é no software estupido!!!) e por aí vai. O capitão do voo morre ao ser eletrocutado ao tentar enfiar uma chave de fenda no computador quando um raio atinje o avião. Sabemos que não é um evento raro, raios atingirem aviões, internamente é praticamente zero a chance de que um raio provoque um curto circuito. Copiloto desmaia e passa longos 20 minutos desacordado, sendo que uma especialista em software é colocada para fazer o pouso do avião. São tantos os descalabros, que o drama se transforma num verdadeiro pastelão. Assim vale a pena assistir!


Camadas

Uma das principais características de um bom filme é aquilo que Ridley Scott definiu como um bolo de 700 camadas. Ou seja existem divisões no filme que expandem sua complexidade e que podemos analisar sobre diferentes óticas. Quando ele lançou Blade Runner, ele já alertava que se tratava de um filme complexo, onde estariam encerradas inúmeras indicações para leituras que se pudessem fazer. Vamos citar algumas; mobiliário[4], é uma das camadas que pode estar presente no filme, ou seja a escolha de um determinado mobiliário pode trazer maior significação ao filme, no caso de Blade Runner não se utilizou uma cadeira qualquer, mas uma Mackintosh.


Cena do filme e a Cadeira Argyle de Mackintosh.

A cadeira chamada Argyle, Willow Tearooms (uma espécie de cafeteria, mas voltada para o chá) em Glasgow 1897. O arquiteto Charles Rennie Mackintosh (1868 – 1928) foi um designer e arquiteto escocês que agitou o final do século XIX e começo do XX. Ele foi um precursores de uma das vertentes do modernismo.


“His concern was to build around the needs of people: people seen, not as masses, but as individuals who needed not a machine for living in but a work of art. Mackintosh took his inspiration from his Scottish upbringing and blended them with the flourish of Art Nouveau and the simplicity of Japanese forms.”[5]

É portanto claro que a cadeira escolhida é plena de significados para o filme, não é uma cadeira qualquer. O filme ruim as vezes nem tem uma camada chamada mobiliário, não que não existam, mas sua escolha é aleatória e simplista. O filme ruim é o que podemos chamar de “flat” ou seja achatado em seu conteúdo. Mas sua ausência, como podemos notar, é um ponto a se observar e olhar pelo lado que não possui.


A continuar... [1] Suspensão de descrença, suspensão de descrédito, da incredulidade ou ainda "suspensão voluntária da descrença" refere-se à vontade de um leitor ou espectador de aceitar como verdadeiras as premissas de um trabalho de ficção, mesmo que elas sejam fantásticas, impossíveis ou contraditórias. É a suspensão do julgamento em troca da premissa de entretenimento. A ideia encontra-se na introdução do livro Uma história verdadeira, do poeta satírico Luciano de Samósata; após mencionar vários outros autores que contaram mentiras, ele completa dizendo que também é um mentiroso, e pede humildemente ao leitor a sua credulidade. A expressão foi registada em 1817 pelo poeta inglês Samuel Taylor Coleridge. [2] No século II não haviam livros, eram pergaminhos, papiros ou outro matrial. O papel somente foi introduzido pelos árabes no século X, invenção dos chineses, que eles obtiveram, e trouxeram para o ocidente. [3] Veja aqui mais: https://www.imdb.com/title/tt1518861/?ref_=ttgf_gf_tt


[4] Ver mais aqui: https://filmandfurniture.com/film/blade-runner/

[5] “sua preocupação era construir em torno das necessidades das pessoas, pessoas não vistas como uma massa, mas individuaos que precisavam, não uma máquina, mas trabalhos de arte. Mackintosh retirou sua inspiração das sua formação escocesa e dos floreios da Art Nouveau e da simplicidade das formas japonesas.(tradução nossa) https://www.wikiwand.com/en/Charles_Rennie_Mackintosh


Paulo de Tarso é arquiteto, artista plástico, artista gráfico e doutorando em artes visuais.


 
 
 

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