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  • há 7 horas
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A voz reivindicatória das incansáveis mulheres indígenas na COP 30

Por Cibele Buoro


De frente a um homem branco, descendente de um histórico patriarcado colonizador e opressor, trajado de poder pela relevância do cargo que ocupa, uma mulher indígena solta a voz. Com o filho pequeno no colo e sem fugir à luta, pede atenção, pois o que ela tem a dizer é um prenúncio do futuro da humanidade e isso é o que há de mais importante nestes tempos de eventos extremos.


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A mulher e mãe indígena, mesmo sem ter o seu nome divulgado pelos jornalistas que cobriram a COP 30, consegue alguns registros de seu clamor porque uma autoridade - André Corrêa do Lago, presidente da COP 30 – é quem chamava a atenção naquela cena: ele estava do lado de fora, na rua, e não nos salões oficiais de negociação, reservados às autoridades mundiais, para ouvir o pedido de uma – grande, guerreira e majestosa - mulher indígena.


A simplicidade das palavras dessa mulher constrói uma mensagem justa, verdadeira, digna, que reproduzo abaixo:


“Somos do povo Munduruku e estamos sendo barrados nestes espaços, não somos vândalos, a nossa manifestação é pacífica, é reivindicando o nosso direito, queremos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ouça, tenha diálogo com o nosso povo, estamos aqui porque a COP está fazendo uma decisão injusta, sem consultar os povos indígenas. Os senhores não estão sabendo o que está acontecendo nos nossos territórios. Nossos territórios estão sendo ameaçados pelas hidrelétricas, ferrovias, hidrovias, crédito de carbono, estamos sofrendo. Nossas lideranças estão sendo ameaçadas por várias empresas e as decisões tomadas aqui estão sem consultar o nosso povo. Nós precisamos estar aqui participando com os senhores e trazendo a nossa realidade. A nossa luta é pela vida do planeta e é pela vida de todos os humanos também. Queremos que vocês colaborem em questão de proteger o nosso clima, nosso território e nosso planeta, estamos precisando. Estamos defendendo a nossa geração futura, são eles quem ficarão sem futuro. Se a gente deixar e não estar aqui neste espaço a decisão que vai sair é do fim do mundo, o fim da humanidade, o fim do planeta. A gente gostaria muito que os senhores ouçam e respeitem a nossa decisão, respeite o nosso povo como originários, é isso que reivindicamos aqui. (Vocês) não estão fazendo uma decisão certa para gente. Sem floresta, não vamos viver. Enquanto os senhores estão aqui no ar condicionado e na cidade grande, vão ficar sem vida! Estamos aqui com mulheres preocupadas com o nosso futuro”, disse a guerreira Munduruku.


Foi Alessandra Korap, a liderança indígena Munduruku e que está ameaçada de morte, quem chamou a atenção em meio a vários protestos que ocorreram durante as duas semanas de COP 30, que aconteceu entre os dias 10 e 22 de novembro de 2025. Sua principal reivindicação – a demarcação de territórios indígenas - é de interesse de todos que entendem e se preocupam com o destino da floresta Amazônica, dos animais, do conforto climático, dos povos originários, da disponibilidade de alimentos e água, do ciclo das chuvas, enfim, do planeta continuar existindo como ainda o conhecemos.


Disse Alessandra quando estava a caminho da COP 30, em um ônibus fretado com destino à Belém, sede do evento no ano de 2025:


A resposta às mudanças climáticas somos nós, que defendemos a floresta e somos atacados em favor do petróleo, da mineração, do grão, da privatização de rios. Isso é um ataque aos nossos direitos, uma violência contra o nosso corpo, os nossos rios, a nossa floresta. Os verdadeiros guardiões que defendem a floresta são o povo que está na base, que está na roça. Estamos chegando para reivindicar nossos direitos. Demarcação já!”.


No dia 14 de novembro de 2025, o povo Munduruku, junto com indígenas das aldeias de Itaituba e Jacareacanga, bloqueiam a entrada da Blue Zone, a meca das negociações entre os países: “Ninguém entra e ninguém sai”, diz em voz alta, Alessandra. Querem ser recebidos por Lula. Denunciam durante o bloqueio que projetos destrutivos da floresta avançam em seus territórios, como o Decreto 12.600/2025, que institui o Plano Nacional de Hidrovias e define os rios Tapajós, Madeira e Tocantins como eixos de navegação intensificando a exploração da região, como o desmatamento e a mineração.


“Presidente Lula, estamos aqui na frente da COP porque queremos que o senhor nos escute”, ela continua.


Ninguém veio aqui para brincar, para tirar selfie, não! As negociações que estão aqui são nossos corpos, crianças doentes. Chega de usar a nossa imagem para dizer que é sustentável. O Estado está matando a floresta para colocar hidrovias e portos. Se o Lula fala com os maiores chefes de Estado, precisa nos ouvir aqui também no chão”, diz em voz alta, Alessandra. “Viemos para lutar e defender nosso território”.

Nas declarações que antecederam a COP 30, o presidente Lula afirmava com convicção: “o Brasil discutirá a importância da Amazônia dentro da Amazônia. Nós vamos discutir a questão indígenas, vendo os indígenas. Nós vamos discutir a questão dos povos ribeirinhos, vendo os povos ribeirinhos e vendo como eles vivem".


O mapa do caminho para a redução da dependência de combustíveis fósseis foi a grande notícia aguardada pelos jornalistas que cobriram a COP 30, o que não aconteceu, enquanto pouca ou nenhuma relevância midiática foi dada às genuínas protagonistas deste evento – as incansáveis mulheres indígenas.   


Cibele Buoro é jornalista com passagens por diversos veículos de comunicação de São Paulo, coordenadora do Curso de Comunicação da Unip e bacharel em Direito.

 

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