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Atualizado: 24 de abr.
Lula e Trump: duas posses e dois propósitos na Era da Desinformação
Por Cibele Buoro
Nunca antes na história deste país, populares, gente do povo, pessoas comuns, subiram a rampa do Palácio do Planalto na posse de um presidente eleito. Esse fato, de inquestionável significado político, agora está registrado nas memórias de nossa – ora golpeada, mas resistente - democracia. No dia primeiro de janeiro de 2023, a emblemática liderança indígena e também lendário Cacique Raoni, representante dos povos originários, com seus pouco mais de noventa anos de idade, na ocasião, foi um dos representantes da sociedade brasileira que, em alguns momentos, de mãos dadas com o eleito Luiz Inácio Lula da Silva, subia a rampa da qual me referi nestas primeiras linhas.
Naquele instante histórico, também cumpriam o mesmo trajeto uma mulher negra, catadora desde os 14 anos, Aline Sousa, um menino de dez anos que sonha, um dia, ser presidente do Brasil e uma pessoa com deficiência.
Nos registros de imagem da posse, Lula conduz pela guia a cachorrinha Resistência. Resgatada por Janja quando era filhotinha, Resistência surgiu faminta, em 2019, no acampamento Vigília Lula Livre, montado por militantes em frente à sede da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, tempos aqueles em que Lula, que agora está em seu terceiro mandato, ocupou uma cela por 580 dias. Foi Aline, catadora, quem vestiu o presidente com a faixa presidencial (o ex-ocupante do Planalto não reconhecera a vitória do pleito de 2022 e, no dia 30 de dezembro daquele ano, embarcara para Miami).
O saldo dos quatro anos da desastrosa passagem de Bolsonaro pela Presidência da República era alarmante e inédito: os 700 mil mortos pela Covid, os ataques aos profissionais da imprensa status quo, o fortalecimento das milícias digitais, a cobertura política no “cercadinho”, o Pantanal queimado como nunca, a Amazônia no limite de seu ponto de não retorno, a existência, no Brasil, de mais gado do que gente (o rebanho bovino está estimado em 238,6 milhões de cabeças), os conflitos no campo e as mortes de lideranças indígenas.
Em uma breve interpretação imagética e semiótica dos populares que subiram a rampa do Palácio do Planalto com o presidente Lula, nota-se: depois da escravização, de duas Guerras Mundiais, do Holocausto, de Hiroshima, do neoliberalismo, da crise de representatividade política e da maior ameaça à continuidade das espécies no planeta – os eventos extremos e as emergências climáticas – as mãos dadas com o líder dos indígenas significaria o reconhecimento de que o capitalismo falhou ao potencializar a fome, as guerras, a pobreza e a devastação ambiental.
Quanto aos demais representantes do povo na posse de Lula no primeiro dia de 2023, além da óbvia demonstração de que ali, assumia um governo para todos, prevaleceu o poder imagético de que chegara a hora de reparar a omissão dos governos anteriores com os vulneráveis, com os explorados pelo capitalismo predatório, com os privados de direitos no governo do antecessor.

Posse de Lula: os "guerreiros" brasileiros / Foto: Tânia Rego - Agência Brasil
Já Donald Trump, 47º presidente dos Estados Unidos, tomou posse no dia 20 de janeiro de 2025 ladeado dos magnatas das maiores empresas de publicidade do planeta, donos de fortunas que ultrapassam o PIB de muitos países: Mark Zuckerberg (fundador da meta, dona do Facebook, Instagram e Whatsapp); Jeff Bezos (dono da Amazon e do jornal Washington Post); Sundar Pichai (chefe do Google) e Elon Musk (dono da rede social X e da empresa de foguetes Spacex, e que também tem lugar no governo de Trump com a missão de cortar gastos públicos). Apesar de nominadas pela mídia como Big Techs, o que todas essas plataformas e redes sociais fazem é publicidade, vendendo dados dos usuários para anunciantes. Estavam com Trump, também, Tim Cook (C.E.O da Apple), Shou Zi Chew (C.E.O da rede social Tik Tok) e Sam Altman, fundador da Open AI, uma das maiores empresas de inteligência artificial.
Muitos jornalistas dependem das redes e das plataformas desses senhores endinheirados para atuarem com comunicação. É preciso reconhecer que muitos canais independentes, que produzem conteúdo interessante e de qualidade, conquistaram algum espaço e audiência proporcionados exatamente por essas plataformas.
Antes fossem, esses senhores, proprietários de veículos autênticos e sérios, de produção jornalística, de conteúdo a ser apurado, investigado, para oferecer, ao público, informação como um direito humano, como consta no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, estaríamos diante de outro momento histórico, pois, pela primeira vez, a profissão jornalista, essencial para a cidadania, para a construção da democracia e da justiça social, ocuparia posição merecida, sem perder a sua essência: o da vigilância do poder.

Posse de Trump: os gigantes da Big Trech / Foto: Chil Somodevilla - Pool Photo Via AP
Mas, não!
O que está por vir com o evento do agrupamento dos poderosos das empresas de publicidade com Trump é a potencialização da desinformação para impulsionar ainda mais ódio ao oponente político, a pós-verdade, a mentira, os atos criminosos e a falta de ética em busca de cliques e compartilhamentos, a misoginia, o racismo, o preconceito, a transfobia, a xenofobia, a intolerância e a barbárie nas redes.
O distanciamento dos eleitores e da população dos espaços de poder, a incompreensão do vasto significado do termo “política”, o desconhecimento de direitos, anunciam uma era da incerteza, de medo, de insegurança.
As duas posses (de Lula e de Trump) representam, na arena global de poder, um embate entre os direitos humanos e a necessidade de justiça social convivendo no mesmo tempo e espaço com o poder do capital predatório. Mais do que nunca a informação honesta, séria e responsável foi tão necessária.
Quanto mais caos e violência de toda ordem na arena da comunicação, mais lucro às Big Techs da publicidade. Trump é um governo de empresários para empresários e são os magnatas os maiores interessados no ódio ao outro, em grande escala.
Da Revolução Francesa herdamos uma equação secular: “cada homem um voto”. Thomas Hobbes concluiu que os indivíduos deveriam abdicar dos direitos sem limites a eles permitidos no Estado de Natureza para que preservassem suas vidas no Estado Civil, enquanto Jean-Jacques Rousseau profetizou que o governo representativo não seria capaz de atender às vontades do povo. Uma vontade não se representa, afirmara o filósofo francês.
Cibele Buoro é jornalista com passagens por diversos veículos de comunicação de São Paulo, coordenadora do Curso de Comunicação da Unip e bacharel em Direito.
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