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- 18 de ago.
- 4 min de leitura
Quando o Brasil compreendeu um dos conceitos mais icônicos do marxismo e pediu bis
Por Cibele Buoro
O título de uma das obras clássicas da ciência política, Manifesto do Partido Comunista, de Friedrich Engels e Karl Marx, traz uma seleção de palavras marcantes e de forte expressão. ‘Manifesto’ sugere um conteúdo declaratório denunciativo, opinativo, ideológico, de oposição e resistência. ‘Partido’ é uma palavra apropriada para qualquer vertente e para qualquer paleta de cores partidárias. Já ‘Comunista’...
No capítulo I, Burgueses e Proletários, o Manifesto de Marx e Engels crava na primeira linha a seguinte frase: “A história de toda a sociedade até hoje é a história de lutas de classe”. Como traduzi-la ao maior número possível de pessoas? Essa tradução sempre foi um dos maiores desafios da esquerda.
O avanço do neoliberalismo desde a década de noventa, no Brasil, inicialmente no governo de Fernando Collor de Mello, até a era Bolsonaro, foi tornando essa tradução cada vez mais distante e perigosa. Entre os anos de 2018 e 2022, os professores que, por dignidade e compromisso com a docência, trouxessem à sala de aula discussões dessa natureza, eram filmados e, posteriormente, demitidos.
Até aqui, meu intuito foi chamar à memória e contextualizar a razão dessa discussão: a Inteligência Artificial conseguiu em questão de horas que o público compreendesse o significado da luta de classes.

Campanha de vídeo com o uso de IA traz mensagem a taxação das grandes fortunas
Em junho deste ano, a mídia atribuiu ao Partido dos Trabalhadores o lançamento de uma série de vídeos que trazia como mensagem a taxação das grandes fortunas. O slogan era: Taxação BBB — de bilionários, bancos e bets (casas de apostas). Os vídeos foram a trend da vez.
Criados pela Inteligência Artificial, o mais emblemático de todos mostra pessoas simples, representando a sociedade brasileira, carregando um saco de estopa no qual se lê: IMPOSTOS. Essa multidão caminha com o saco nas costas e a primeira frase dita por um homem preto com aparência idosa é: “No Brasil, quem vive de salário sempre carregou o maior peso dos impostos”.
As imagens avançam até que surge em primeiro plano um jovem com belo sorriso em terno alinhado, segurando na mão direita um saco muito menor daquele que carregam os populares, representando o menor montante em impostos pagos por essa classe social: a burguesia. Surge na tela, em seguida, um homem mais velho, de terno bem cortado, carregando um saco também menor. A imagem é coberta pelos dizeres: “Já quem está no topo, os super ricos, esses sempre pagam proporcionalmente bem menos”.
As duas frases ilustradas pelas imagens da Inteligência Artificial traduziram a luta de classes.
Os vídeos foram assunto na grande imprensa. O PT ainda não negou a autoria do material, que ajudou a aumentar a popularidade do presidente Lula e a somar uma legião de apoiadores à taxação dos milionários deste país.
Contudo, a campanha foi breve e curta. Não foram lançados novos vídeos e a esquerda perdeu uma chance de se fortalecer com o apoio das ruas e com a tradução de temas que custam caro à esquerda. A campanha ‘Taxação BBB’ foi um experimento e prova que a Inteligência Artificial, quando projetada com inteligência, ética, compromisso público e responsabilidade social, pode ser bem aproveitada pelo proletariado.
Abaixo, reproduzo alguns trechos do livro Estado Classe e Movimento Social (Montanõ; Duriguetto, 2010), que explica de forma erudita e acadêmica, a luta de classes.
A luta de classes, conforme a teoria marxista, é o instrumento do qual dispõem os desprovidos dos meios de produção – o proletariado – na intenção de diminuir a desigualdade e aprovar leis que “regulem a relação salarial, [...] inibindo relativamente o poder do capital” (Montanõ; Duriguetto, 2010, p. 81).
A divisão da sociedade em classes é apresentada nas obras de economistas políticos clássicos do século XVIII, como Adam Smith, antes mesmo de Karl Marx, que dividiu a sociedade em proprietários (burguesia) e proletariado.
Em toda a história das sociedades existe um tipo de estratificação social, fato que ilustra a desigualdade e a divisão de pessoas em grupos, seja em razão de poder político (que define a divisão de poderes e autoridades de uma sociedade) ou econômico (pirâmide social) (Montanõ; Duriguetto, 2010).
Segundo Marx e Engels (1999): “as que até agora foram as pequenas camadas médias – os pequenos industriais, os pequenos comerciantes e os que vivem de pequenas rendas, os artesãos e os camponeses -, todas essas classes caem no proletariado” (Engels; Marx, 1999, p. 73).
A considerar a teoria marxista, a classe burguesa é a que detém os meios de produção social e emprega a classe trabalhadora assalariada que, por sua vez, depende da venda de sua força de trabalho. O proletariado é formado por homens e mulheres livres, proprietários de sua mão de obra, despossuídos dos meios históricos de produção (terra, capital e máquinas).
Segundo Engels e Marx (1999), estarão organizados em uma “classe para si”. A classe para si é aquela que, “consciente de seus interesses e inimigos, se organiza para a luta na defesa destes” (Montanõ; Duriguetto, 2010, p. 97), por encontrar-se em estágio de tomada de consciência e organização de classe. “A consciência é determinada pela realidade social e é condição para a transformação (Engels; Marx, 1999).
Referências:
ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis, Editora Vozes, 1999.
MONTANÕ, Carlos; DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, classe e movimento social. São Paulo: Cortez, 2010.
Cibele Buoro é jornalista com passagens por diversos veículos de comunicação de São Paulo, coordenadora do Curso de Comunicação da Unip e bacharel em Direito.



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