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Palavrório

Introibo ad altare dei: Monólogo interior ardente e delirante com morfina

Por Paulo Reda


“Morte, grande fêmea, eu te justifico e te perdoo”. Murilo Mendes – Túmulos Reais (Catedral de Palermo).



Ilustração de Cosimo Miorelli


Quinta-feira (17 de junho de 2021) - Essa mulher está enferma. Essa mulher está só. Preciso cuidar de Dalmo, cadê ele??? Em volta da cama há místicos falando bobagens, não me apoio em nada. Carrego tanto cansaço nas costas. Sente o líquido espesso invadir suas veias. Se soubesse que esse troço era tão bom tinha começado a usar antes. A qualquer momento algo vai acontecer. O que rima com Irene? Perene.


De olhos fechados vejo meu corpo. Meu cão doméstico, meu dono. Fundo sem fundo. Os dias morrem no sono. Acordar e fazer uma gemada pra Dalmo. Sair da cama, ohhhhh. Com vinho do porto. Nunca fiz isso, cara chato... Antes de dormir ele me dá três beijos na bunda. Quando acordava por causa daquilo ficava pistola. Peidava baixo e com raiva. Depois Dalmo mastigava meus cabelos. Quando mordo teus cabelos parece que estou comendo lembranças.


Ele voltou pra casa bêbado com Estefanus. Ficaram na cozinha comendo pão preto com patê de fígado. Cheiro choco de cerveja. Falam, falam...“Estou há muito tempo fora de catálogo”. Cantoria agora. “Eu não tenho amada, nem abrigo, sequer um lugar pra viver eu tenho”, bimbom.


A noite tem gosto de noites futuras. Lá fora, o sol e as estrelas flutuam. Há um projeto de sol. Trapos de nuvem. Em breve, o escarcéu da aurora. Passo a mão pela cabeça a tempo de ver sumir a última estrela. Há um lado em mim que está sempre no bar, bebendo sem parar, láláialáialáláia. Braços abertos sobre a Guanabara, plemplem. Mulher que ri, cospe e dança...

Aquele crioulo que fumava e bebia. Legbá ensina cobra a cantar, entorta aquilo que é reto, endireita aquilo que é curvo. Inlucidez. Uma solidão nua amarrada a um poste, copulando no caos. Fogo das ancas. Presto non son píu forte!!! Num leito reles, ordinário, lá onde é mais escuro. Crau!!! Vísceras arrancadas por um imenso girassol.


Creme salpicado de noite. Legbá!!! Morder, morder a maçã. Dolorosa boca. O odor do corpo é impuro. homensvêmhomensvãoetudoficaemDeus. E ódio, ódio de todos os homens. E nojo. Vó!!!!! Uma fada te traz pela mão, pois no mundo há tristeza demais para a tua compreensão. Lili foi embora. Não sou mais sua mãe!!! Vem, filha pródiga.


Os abalos do pecado, do útero ao sepulcro. Nascer é muito comprido. Sufocando o frágil bebê em seu berço. Nadaterfeito. O pesar é o meu quintal. Já morri. Já fui julgada. Já ressuscitei. Já era raiz. Rua velha na Vila. Cheiro dele no jogo de bola. Suor grosso no pescoço. Gooollll!!! Tubaína depois.


Mostrar os peitinhos pros meninos na garagem do Zé Ricardo. A Jacira e a Mônica iam, tinha vergonha... Quando foi lá com o Serginho tchau cabaço. Não precisou nem perguntar, já disse sim, eu quero sim. Entrego-me dócil. Ruim pacas, gozou em um segundo, saia melecada. Líquido grosso, agora entrando por baixo. Ficar prenha que nem a Lurdinha, credo!!! Grita: eu não queria!!! Queria!!! Queria aquele sedoso e áspero amor.


Eu sou grata a você, sabe? Quero mais e tenho medo. Não entre nessa noite acolhedora com doçura. Ela se chama morte. O muro é a morte. Ajunta, ajunta o que se quebra. É hora de apagar estrelas, guardar a lua. Quando você for-se embora, moça branca como a neve, me leve, tralálá. Não conto que cantem por mim.


Ir para um lugar onde não falte fonte. Nem mar. Aquele mar de C... onde nadava à noite, só e nua. Aqui existe um mar, mas não existe cruz, nem praia. Quanta luz há aqui no verão e quão breve ele é. Pelo que virá, enfim, digo sim... Tudo começa a partir de agora. Reborn. Ajuremou-se. O teu delírio agora sobe aos céus.


Quero chorar, mãe silenciosa. INTROIBO AD ALTARE DEI. O céu concebido como um túmulo. Tô aqui vó! Vamos rezar juntas. Ajoelhe-se, ajoelhe-se, este é o anjo de Deus, tenha mãos postas... Vamos!!!! Vamos!!! Vou...


Paulo Reda é jornalista, com passagens por diversos veículos de comunicação. Crítico literário, musical, cronista e poeta bissexto. Diretor do bloco carnavalesco Nem Sangue Nem Areia.



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