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Monólogos Ácidos

Atualizado: 18 de mar.

Ontem e hoje, o clichê

Por Marcel Cheida

 


Os 60 anos do golpe militar lembrados neste 2024 são a soma de um período histórico recheado por crises, de idas e vindas em torno da democracia e do regime autoritário. Nos últimos tempos, a mentalidade tirânica voltou a ocupar o debate com o retorno do cenário de 1964, com a ascensão do bolsonarismo. O delirante discurso contra o sistema, contra o comunismo, contra a ideologia de gênero, contra a mamadeira de piroca, contra o PT, contra os direitos humanos, contra o sistema judiciário, contra a academia, contra o conhecimento e a ciência, contra o Brasil e a favor de Deus, pátria e família moldou a polarização primitiva da mentalidade bipolar.


O regime militar de 1964 a 1985 foi uma etapa decorrente dos movimentos ao longo do século XX, de teor nacionalista, fortemente incentivado pelos EUA do pós-guerra no ambiente da Guerra Fria. A combinação dos segmentos civis, liberais, conservadores, religiosos e da caserna gerou as condições da tomada do poder em oposição ao governo de Goulart, preocupado com programas sociais focados na redução da miserabilidade histórica da maioria da população. O clichê do combate ao comunismo foi, gradualmente, tomando os corações e mentes que sustentaram o regime autoritário, policial, tecnocrático, burocrático, responsável por avanços econômicos que não conseguiram superar a desigualdade social. Mesmo com Delfim Netto alardeando que o bolo precisava crescer antes de ser dividido. Nunca foi fatiado fraternalmente, pois poucos o comeram.


Ao estertor, durante o governo do general João Batista Figueiredo, a inflação, a dívida externa (em 1964, a dívida externa do País era de US$ 5 milhões; em 1984 atingiu US$ 90 bilhões), a inapetência administrativa e o sufoco crescente provocado pelas manifestações em favor das eleições diretas e do rompimento como regime. Figueiredo, que preferia o cheiro do cavalo ao do povo, exalava irritação profunda diante das obrigações políticas. Ao assumir, pegou o País um uma inflação de 45% ao ano. Deixou o governo com um índice de 245% ao ano. Cumpriu o acordo da “abertura lenta e gradual” planejada por Ernesto Geisel, o antecessor. Conduziu o processo, ou acordão, da anistia ampla, geral e irrestrita, que deixou sequelas até os dias de hoje. E entregou o governo ao sagaz Tancredo Neves, um presidente eleito moribundo.


As contradições perversas do regime militar geraram heranças até hoje desafiadoras. A irracional ocupação da Amazônia, a negação de políticas ambientais, a reconstituição do sistema partidário, que resultou na barafunda de mais de 34 siglas atualmente, a rejeição da política como ambiente da negociação civilizada, o poder militar estendido às polícias, o berço pujante da formação das milícias no Rio de Janeiro (decorrente do poder inatacável dos policiais militares corrompidos) e a transição para a Constituição de 1988 são serviços ou desserviços resultantes do período controlado a mão de ferro pelos generais. Até mesmo a abertura conduzida por Figueiredo foi com o ferro nas mãos.

Mas, o regime dos generais respondeu à incapacidade do governo João Goulart em enfrentar as ondas turbulentas que, ao olhar da história, sinalizavam uma sucessão destinada à “pôr ordem” na anarquia alimentada pelo temor do avanço do comunismo. Os tempos atuais parecem, portanto, um clichê.


Regressão


Há um pêndulo no processo político desde 1988. O debate entre liberais, neoliberais, e progressistas, sociais-democratas e socialistas, precipita-se no balde da corrupção. Seja à direita, seja à esquerda, ou pior, no ficcional centro ou no seu aumentativo, as relações entre parlamentares, governantes e o mundo empresarial fornecedor de serviços aos governos esbarram em denúncias diversas.


Ao amplificar as tais denúncias e o debate centrado na corrupção, o campo político se amesquinha em acusações midiáticas, boquirrotas. No início de março, ao desabafar sobre o egoísmo do mercado, Lula tentou justificar a decisão em sustar ou adiar o pagamento dos dividendos para os acionistas da Petrobrás. A reação dos porta-vozes do mercado foi agressiva. Nas redes, comentava-se a possibilidade de um processo de cassação do mandato de Lula, com apoio subterrâneo dos EUA. Exatamente no momento em que Donald Trump mostra as garras na disputa pela conquista da candidatura pelos Republicanos.


O valor da Petrobrás, após o desabafo presidencial, foi subtraído em R$ 55 bilhões. Nos dias seguintes, as ações da empresa subiram de valor, numa transição efêmera entre a perda e o ganho. Quem vendeu ações na queda, perdeu. Quem comprou na sequência, ganhou. E a fila no mercado das ações andou.


Dias depois, o presidente da Petrobrás, Jean Paul Prates, anunciava investimentos de R$ 80 bilhões em diversos projetos. Os adversários jogaram praga. Afirmaram que o governo Lula queria repetir o projeto que levou na Petrobrás a perder mais de metade do valor no governo Dilma Rousseff. E a razão maior para o pessimismo foi a famigerada corrupção que permeou os investimentos à época.


Assim, há argumentos inibidores aos projetos de investimentos, sem um debate consequente sobre como executá-los. Isso deságua nas picuinhas, pois a retórica do enfrentamento se torna mais relevante do que os interesses e as demandas do País em torno de projetos que resultem em benefícios, de fato, à sociedade.


Eleições municipais


A sombra do bolsonarismo toma conta das eleições municipais. O rearranjo partidário preparatório da disputa alavanca o PL, partido que tem Jair Bolsonaro como celebridade, mas inelegível. No entorno, Republicanos, União Brasil, PSD, Novo, entre outros, ajustam a composição partidária para a formação das chapas destinadas a disputar Prefeituras e Câmaras de Vereadores.


Na oposição, PT, Psol, PC do B, entre outros, evidenciam uma certa perplexidade diante da máquina evangélica combinada com as redes sociais como ferramentas das correntes ditas conservadoras, à direita e à extrema-direita.


Aqui, uma observação: há quem afirme, num tom se isenção, ou não, que a extrema direita polariza com a extrema-esquerda. A besteira em torno disso só não é maior do que a falta de conhecimento sobre o espectro partidário e ideológico. As extremidades buscam enfrentar o sistema como inimigo, com apelo ao uso da força para derrotar qualquer oposição. Quem domina essa retórica e ações nos últimos tempos é a extrema-direita, representada pelo bolsonarismo golpista. À esquerda, não há manifestações equivalentes. Ou seja, a extinta esquerda revolucionária, extrema, portanto, desapareceu há tempos. Dizer que o PT, PC do B e o Psol são extremos à esquerda é desconhecer e, intencionalmente, reduzir o segmento progressista, socialdemocrata ou socialista ao reducionismo retórico. Isto é, a extrema à direita usa a própria régua para qualificar o “inimigo”, pois, ao desmoralizá-lo na mesma frequência, busca pô-lo no amesquinhamento.


O cenário contamina as eleições municipais. Em vez dos problemas e assuntos locais, partidos e pré-candidatos exteriorizam clichês e estereótipos disseminados pelas loquazes redes sociais nos últimos tempos.

Os municípios estão reféns desse cenário de retórica opressiva. Intencionalmente, seus articuladores insistem nessa demagogia amesquinhadora para evitar debater as demandas sociais e econômicas, muitas delas graves, como a saúde, educação, transporte público e segurança. Isso porque a formulação de projetos e programas de governo dão trabalho, consomem neurônios e tempo caríssimo. A extrema-direita carece de vontade em investir nisso. Mais fácil atacar o suposto comunismo, os banheiros para indivíduos trans, a ficcional ideologia de gênero, do que discutir com os eleitores os destinos da pólis.


As microforças partidárias municipais se moldam predominantemente pelos valores e demandas locais, tradicionalmente. Nesta eleição, contudo, o cenário é outro, maculado pelas acusações perfunctórias em detrimento do debate programático.

 


Marcel Cheida é jornalista, professor na Faculdade de Jornalismo na Puc Campinas.



 

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