Convescote
- URRO
- 24 de mar.
- 21 min de leitura
Atualizado: 2 de abr.
A pesquisadora de memórias
Por Ana Lúcia Vasconcelos
Nascida em Miguelópolis, Dayz Peixoto Fonseca veio morar em Campinas com sua família em 1956. Cursara o primário em Ituverava e parte do ginasial em Ribeirão Preto sendo que em Campinas continuou os estudos no Colégio Culto à Ciência e na sequência fez vários cursos na Puccamp: Filosofia, Orientação Educacional e Pedagogia. Foi Orientadora Educacional na Educação e Coordenadora do Museu da Imagem e do Som da Prefeitura Municipal de Campinas.
Interessada e praticante da fotografia, do cinema e outras artes, foi crítica dessa arte no extinto jornal campineiro Diário do Povo e professora de cinema no Colégio Progresso Campineiro. Foi uma das fundadoras do Cine Clube Universitário de Campinas onde realizou o filme Um Pedreiro com roteiro de Luís Carlos Borges que foi largamente premiado: um dos dez melhores filmes do Estado de São Paulo no Festival Brasileiro de Cinema Amador JB/ Mesbla no Rio de Janeiro, Melhor Filme do Festival Experimental Latino-Americano realizado em 1968 pelo Foto Cine Clube Bandeirante (SP) e Menção Honrosa do prêmio Governador de Estado de São Paulo.
A partir de 1978, Dayz atuou na implantação do Museu da Imagem e do Som de Campinas onde desenvolveu propostas inovadoras como o chamado “cinema de arte” com exibição de filmes de 35mm no Teatro Municipal Castro Mendes e deu início às pesquisas que foram projetos pioneiros na cultura campineira, ou seja, o Projeto Vanguarda, A Produção Cinematográfica Campineira de 1920 a 1980 e Campinas por seus historiadores.
De 1992 a 2000 atuou no Centro de Ciências Letras e Artes (CCLA) onde foi eleita presidente – a primeira mulher a exercer esse cargo no centro cultural fundado em 1901 - e onde, entre outros, coordenou o projeto de revitalização do Museu Carlos Gomes com o apoio financeiro da Fapesp. Realizou diversas mostras de fotografias de viagens de sua autoria sendo que a partir de 1999 começou a escrever e publicar suas pesquisas culturais na Revista do CCLA: A fotografia em Campinas busca uma história (2003); Cine clubinho do CCLA: narrativa histórica (2015-2016).
Ainda em 1999, iniciou pesquisa sobre o artista plástico Thomaz Perina que virou um livro em parceria com José Armando Pereira da Silva que foi publicado em 2005 com apoio da Lei Rouanet: Tomás Perina-Pintura e Poética. Escreveu outros livros na sequência de uma pesquisa cultural: O Viajante Hércules Florence – águas, guanás e guaranás (sobre a Expedição Langsdorff), 2008; Landina / os fios da memória (memórias da infância) 2011 e Victor Fiegert -um fotógrafo austríaco no Brasil- A poética do retrato, 2024, todos publicados pela Pontes Editores.

Dayz Peixoto Fonseca: a produtora de cultura
Dayz a gente se conheceu na década de 1960 certo? Penso que 1963, 1964 e você era assistente da Teresa Aguiar que era Procuradora da Prefeitura e eu fazia teatro no Teatro do Estudante de Campinas do qual ela era diretora. Me lembro da cena na sala da Teresa. E você, além desse trabalho, cursava filosofia na então Universidade Católica de Campinas, era uma amante do cinema, escrevendo artigos sobre cinema no Diário do Povo, e participante do Cine Clube Universitário de Campinas, que os estudantes da PUC-Campinas haviam criado. Você e seu namorado na época, hoje marido- Rolf Luna Fonseca, estavam sempre na organização dos festivais de cinema francês, italiano, soviético, entre outros, no Cine Brasília que não existe há muito tempo em Campinas. Ou seja, eu e minha geração fomos introduzidos no chamado ‘cinema de arte’ por vocês. E eram tempos maravilhosos com muita arte e cultura. Na verdade, vocês traziam para Campinas o que de mais novo acontecia em termos de cinema em São Paulo e a nós ficávamos atualizados. Você já se interessava por cinema, fotografia, artes plásticas lá em Miguelópolis?
Dayz - Ana, primeiramente me sinto gratificada pelo que você me traz de apreço pelas atividades do Cine-Cube Universitário de Campinas. Quanto ao meu tempo em Miguelópolis, lá eu era criança, e morava na roça, vida muito semelhante ao que descrevi em Landina/ os fios da memória. Meu pai faleceu eu tinha 8 anos. E as últimas palavras dele foram que não deixássemos de estudar: eu e meus dois irmãos. Tivemos que mudar para a cidade para estudar os vários graus de ensino. Realmente, desenvolvi muitas e variadas atividades culturais, mas cada uma no seu tempo. Posso dizer que em Miguelópolis, minha arte preferida era admirar o céu pintado de estrelas com a lua brilhando e as floradas das paineiras brancas, duas floradas, porque depois das flores vinha a florada das painas. Tenho uma relação intensa com a natureza. Na verdade, comecei a gostar de cinema em Ituverava, onde cursei o primário. Todo domingo eu ia à matiné para assistir A Deusa de Joba, o seriado. Eu queria mesmo era conhecer aquela deusa que nunca era encontrada!
De fato as coisas que vemos e aprendemos na infância nos marcam a vida inteira e aliás, percebo esse teu amor pela natureza e lógico que o amor pelo cinema começou ali na tua vivência no campo e tua busca daquela deusa. Então me conta como surgiu a ideia da criação do Cine Clube Universitário? Quem eram os participantes, além de você e Rolf? Sei que há uma tese sobre ele.
Dayz - Falando dos anos 60, o cineclubismo no Brasil já tinha história. Havia uma organização nacional dos cineclubes nos estados e no país. O Rolf já tinha uma experiência maior nesse campo porque ele conheceu o cine clube de João Pessoa, onde ele morava, e já havia atuado no Departamento de Cinema do CCLA. Então ele pode ajudar na organização da Semana de Estudos filosóficos de 1964, com o tema de Cinema, contando com o apoio da Cinemateca Brasileira. O Centro de Cineclubes do Estado de São Paulo tinha uma grande atuação de ajuda aos cineclubes. A ideia do cineclube universitário de Campinas surgiu em 1964, justamente na Semana de Estudos Filosóficos. Naquele ano eu já escrevia no Diário do Povo e divulguei essa ideia do Cineclube, que foi concretizada por Luiz Carlos Ribeiro Borges, estudante de Direito, logo no início do ano seguinte, 1965. Nossas programações de filmes atendiam o desejo de todos que gostavam de cinema com as renovações que surgiam. Além das exibições, cuidamos de realizar palestras e cursos. Anos 60, naquele sufoco político, sentíamos que estávamos trazendo novos ares à cultura campineira e brasileira. Com o dinheiro arrecadado em uma das Semanas no Cine Brasília, talvez a primeira, aproveitamos a oportunidade do Festival JB/Mesbla do Rio de Janeiro e com o apoio técnico do Senhor Henrique de Oliveira Jr. realizamos às pressas o filme Um Pedreiro, com roteiro do Luiz Carlos Borges e que ele, como presidente do cineclube, destacou-me para dirigir.
Sim ao mesmo tempo que a gente gostava do cinema, o teatro naqueles inícios dos anos 60 tivemos em seguida um grande choque que foi o golpe militar de 1964 com todas as suas execráveis consequências. Mas enfim o filme Um Pedreiro foi premiado várias vezes, o que foi um agradável início de carreira para vocês, não é?
Dayz - Sim, nossos filmes tinham um sentido social evidente, mas não político. Um Pedreiro foi premiado e eu também recebi o prêmio Governador do Estado (Menção Honrosa, por se tratar de um filme experimental). No ano seguinte, 1967, o Borges realizou o filme dele: O Artista. E em 1973, o Rolf realizou Dez Jingles para Oswald de Andrade, com roteiro de Décio Pignatari. Mas não seguimos a carreira de realização de filmes. Mas o cineclubismo fomentou um certo movimento do cinema amador em Campinas nos anos seguintes. Os prêmios para Um Pedreiro realmente marcaram a história no Cineclube.
Você vê que estou indo lá nos primórdios das tuas atividades em Campinas já que nos conhecemos naquela longínqua e gloriosa década de 60 quando o Brasil era um outro Brasil e a nossa geração era altamente interessada em arte, cultura, aliás, todas as artes porque convivíamos com artistas plásticos - vocês faziam cinema e nós fazíamos teatro e éramos uma comunidade atuante em Campinas. Gostaria que me falasse mais dos festivais de cinema organizados pelo Cine Clube que foram tão importantes para quem como eu, e muitos da nossa geração, gostamos tanto. Você não imagina como eles foram fundamentais para o nosso aprendizado sobre o cinema de arte. Afinal era a época da Nouvelle Vague na França, dos grandes cineastas como Jean-Luc Godard, Alain Resnais, François Truffaut, Agnés Varda, Michelangelo Antonioni, Federico Fellini na Itália, David Lean na Inglaterra, Stanley Kubrick nos Estados Unidos, Andrei Tarkovski na União Soviética entre tantos outros. E logico o Cinema Novo no Brasil com nomes como Glauber Rocha, Leon Hirszman. Que momento áureo do cinema brasileiro e mundial não?
Dayz - Nem diga, Ana, tivemos o privilégio de viver aquele momento fantástico do cinema estrangeiro e do surgimento do Cinema Novo brasileiro. Eu fui apaixonada por todos esses cineastas e movimentos de renovação que você citou e comecei a escrever sobre cinema por causa do filme do Glauber: Deus e o Diabo na Terra do Sol. Sobre Agnés Varda escrevi um longo artigo: Agnés Varda ou quando a mulher faz cinema em 1967, publicado no Jornal Cine Clube. Foi um artigo afetivo, pois eu tinha acabado de realizar Um Pedreiro.
E vocês faziam ainda um Jornal, não é? Do Cine Clube?
Dayz - O Jornal Cine Clube, um tabloide em papel couché, foi também de grande importância naquela época, no qual escrevíamos sobre nossas paixões cinematográficas e era vendido na universidade e até nas bancas de jornal. A direção do jornal era do Luiz Carlos Borges e na diagramação ele contava com o apoio de Raul Porto, um dos artistas do Grupo Vanguarda. Para esse jornal escrevi também sobre Os Companheiros de Mário Monicelli e A Faca na Água de Roman Polanski. Eu adorava todos os filmes e todos aqueles cineastas da época, mas, sempre considerei inigualáveis os filmes de Alain Resnais, principalmente O ano passado em Marienbad que já assisti um sem-número de vezes e sempre querendo mais.
Eu também amo O ano passado em Marienbad e vi muitas vezes. Tenho cenas dele na cabeça até hoje.
Dayz - Talvez eu já estivesse antecipando minha tendência memorialista. Aliás, é bom lembrar do filme de Walter Salles, “Ainda Estamos Aqui”, acho que estamos falando na mesma linguagem.
Estamos vivendo um momento maravilhoso do cinema brasileiro com esse filme, que está fazendo sucesso no mundo todo e lembrando ou contando para muitos que não tem ideia do que foi a ditadura militar no Brasil, a verdade daqueles tempos tenebrosos. Enfim estamos revivendo aqueles tempos dos quais estávamos falando até agora. Sinceramente desde o início da carreira de “Ainda Estamos Aqui” eu senti uma lufada de ar puro entrando no nosso país. Bem Dayz, voltando aqui na nossa entrevista, cada uma de nós seguiu seu caminho - eu fui para São Paulo, e você continuou em Campinas, cada uma atuando em suas áreas você se voltou para a educação e foi dar aulas de cinema no Colégio Progresso?
Dayz - Pois é Ana Lúcia, você foi para São Paulo e se profissionalizou no Teatro paulistano, foi premiada, aliás, quantos anos de teatro amador você já tinha…
Sim participei do Teatro do Estudante de Campinas desde 1963, na verdade enquanto fazia meu curso de Ciências Políticas e Sociais na Puccamp e já tinha ajudado a fundar o Rotunda. Fui para São Paulo em 1968.
Dayz - Exatamente, ano do AI-5! O Pior dos tempos dos anos 60. Em 1968, nós cineclubistas participávamos de um encontro nacional de cineclubes em Brasília, que não terminou. Os caminhões do exército chegaram e espantaram os cineclubistas que estavam no local do evento. Os filmes que levamos para serem exibidos na programação passaram pela censura federal. Dias depois foi publicado o AI-5.
Daí começaram os anos de chumbo, não é? Tenho experiencias bem terríveis desse tempo, mas vamos deixar para outra vez.
Dayz - E você estava indo para São Paulo fazer teatro e acabou fazendo jornalismo na grande imprensa.
Sim Dayz cheguei em São Paulo fazendo teatro e trabalhando na Editora Abril. Depois de um tempo fiquei só no jornalismo.
Dayz - O ano era 1970, espero que você se lembre que quando eu ainda estava em atividades de Cinema, dei aulas de Cinema no Colégio Progresso de Campinas e você fez uma entrevista comigo em aula com meus alunos, para a Revista Escola da Editora Abril. Ela está em meus arquivos e me orgulho dela. Impressionante como você relatou tudo da minha aula. O que eu dizia, o que o aluno perguntava, descrevendo a cena do filme que era projetado na parede… Um verdadeiro roteiro cinematográfico!
Sim, logico que me lembro. A Revista Escola foi uma das muitas em que trabalhei na Abril e era uma coisa inédita na área de educação porque fazíamos cobertura de aulas completas. Logico que tudo era articulado: a escolha das escolas em São Paulo, das matérias de cada classe e eu ia com o fotografo que fazia fotos de cada etapa da aula. Então em princípio fazíamos em São Paulo, mas depois de um tempo estive em Salvador para fazer uma ‘seriação’ como a gente chamava essa seção e houve um número em que programamos fazer em Campinas. Fiz matérias com você no Colégio Progresso, no Culto à Ciência, enfim, sabia que essa disciplina: cinema, era uma coisa rara de se ver nos cursos ginasiais. Mas você Dayz, interessante, que sempre ficou entre o cinema, a Educação, a Filosofia e a Sociologia, não é? Começou a se especializar na área da Orientação Educacional. E como foi sua entrada, aliás, como foi a implantação do Museu da Imagem e do Som?
Dayz - Como eu era funcionária da Prefeitura de Campinas, numa oportunidade fui para Orientação Educacional e como especialista na educação participei da implantação da lei 5692/71. Depois de um trabalho bastante efetivo na educação, e por causa da minha experiência em cinema, fui convidada a me transferir para a Secretaria de Cultura para atuar na implantação do Cinema de Arte do Museu da Imagem e do Som de Campinas. Na verdade, a implantação era mesmo a do próprio MIS, um novo órgão da Secretaria de Cultura, que ainda não tinha funções definidas. Dois anos depois o senhor Henrique de Oliveira Jr. que era o Coordenador, se aposentou e eu passei a responder pela Coordenação, com tudo começando...
Sim me lembro dessa etapa da tua vida e porque nesta altura eu havia voltado para Campinas, nas minhas idas e vindas de São Paulo e trabalhei no Jornal de Hoje como Editora de Lazer e Cultura. Foi uma época muito boa já que o diretor do Jornal era um dos grandes jornalistas que eu havia conhecido na Abril: o José Hamilton Ribeiro.
Dayz - Isso mesmo. Você me entrevistou por ocasião da exibição do ciclo de Clássicos do Cinema, realizado em conjunto com a Cinemateca Brasileira, se não me falha a memória. Como você gostava do cinema cultural, foi ver de perto a programação.
Eu sempre amei cinema de arte e aquele Festival foi maravilhoso, então logico que fui cobrir. Mas me fala, quando começou a desenvolver as pesquisas culturais no MIS? Sei que os primeiros foram o Projeto Vanguarda, A Produção Cinematográfica Campineira de 1920 a 1980 e Campinas por seus historiadores. Me fale sobre eles. Foram projetos bem ambiciosos posso dizer. Você tinha auxiliares nessas pesquisas?
Dayz - Esses três projetos foram realizados com muita dificuldade, mas com muita satisfação, enquanto eu era coordenadora do MIS. O trabalho estava sempre demandando maior número de funcionários, dentro de determinadas especializações. Tínhamos que idealizar os projetos e fazer o possível. O desejo de realizar nos levava a criar soluções. Na verdade, o primeiro projeto surgiu através de uma demanda do artista Raul Porto. Certo dia encontrei-me com ele no centro da cidade e ele sempre muito cuidadoso com o Grupo Vanguarda me disse: “afinal, você agora está no MIS, faça o histórico do Grupo Vanguarda. Aproveite que estamos aqui, e podemos ajudar”. Realmente essa era uma das funções que defini para o MIS, e levei o assunto comigo. Me reuni com os poucos funcionários para avaliarmos as possibilidades de execução desse projeto. Fiz os contatos com a Diretora de Cultura, enfim, vamos fazer! Confiamos num resultado positivo, embora pudesse haver alguma decepção por parte dos artistas. Fizemos uma reunião com eles, gravador cassete ligado para todas as falas ficarem registradas. E assim, num ano apenas, tudo foi feito como um sonho realizado, nosso e dos artistas do Vanguarda. Os artistas falecidos – Geraldo de Souza e Franco Sachi – tornaram-se nome de rua a nosso pedido. Criamos o catálogo, e a apoteótica finalização, com exposição no MACC e exposições individuais ocupando todas as galerias de arte da cidade, que naquela ocasião eram muitas. A imprensa foi generosa. Graças ao Raul Porto o alerta sobre o timing do levantamento histórico do Grupo de Vanguarda foi fundamental. Realizado no tempo certo, o Projeto Vanguarda tornou-se âncora para maior evidência e exposição do valor da estética desse grupo de artistas e da arte campineira perante Campinas e o Brasil.
E isso deslanchou os projetos de pesquisa cultural no MIS segundo me disse.
Dayz - Sim, com ele inauguramos os projetos de pesquisa cultural no MIS de Campinas. Acreditando, improvisando e foi dando certo. Assim, passamos a confiar num segundo tempo de pesquisa, que foi o projeto dos ciclos do cinema campineiro. Foi animador, mas bastante difícil. Foram três anos de trabalho, de 1982 a 1985. Como eu já tinha realizado uma matéria para o Diário do Povo em 1965, sobre o cinema campineiro, pensei que o caminho já estava mais aberto. Havia também a tese do Carlos Roberto de Souza, da Cinemateca Brasileira, sobre o ciclo do cinema campineiro dos anos 20 – vamos lembrar de João da Mata, de Amilar Alves (1923). De início realizamos uma reunião na Sala Glauber Rocha, que havíamos inaugurado há pouco tempo, e contamos com a presença de personalidades históricas desses ciclos campineiros de cinema: Plácido Soave, já bastante idoso, que fez o papel de João da Mata, Thomaz de Túlio, fez o câmera de João da Mata, Plácido Soave, interpretou o personagem de Fernão Dias (de Alfredo Roberto Alves, 1956), Maurício Morey, interpretou personagens nos filmes de Antoninho Hossri (1954 e 1957), entre outros. Assim, fomos juntando todos os tipos de informações, filmes, fotografias, entrevistas, com o senhor Henrique de Oliveira Jr. e o Sr. Plácido Soave também participando intensamente, pois além de serem partes da história, tinham uma relação amistosa com todos que ali compareceram. Tudo favoreceu o clima positivo da realização. O tempo foi mais longo que o do Projeto Vanguarda, contando mais de três anos neste trabalho. Ao terminar, redigi o esboço do catálogo que foi divulgado à imprensa, e lido em situações especiais. Fizemos uma exposição com fotos dos filmes no andar térreo da Prefeitura e uma apresentação no Salão Vermelho numa promoção especial na qual foi gravada a minha leitura do texto. Realizamos também uma exposição de fotografias dos filmes no Sesc e no Centro de Convivência Cultural, onde estava a sede do MIS. A imprensa foi generosa também neste projeto. Naquele momento, o catálogo não chegou a ser publicado em gráfica, para ser distribuído, não houve tempo para isso por razões de alterações no funcionamento do MIS, que precisou mudar para outro bloco, pois o mezanino em que se localizava (bloco da entrada do Centro de Convivência Cultural) estava sofrendo com as goteiras e umidades. Acrescento que como parte da pesquisa criamos um acervo de filmes para o MIS, cujas cópias foram feitas gentilmente pela Limec-Unicamp.
Mas você me disse que esse catálogo virou um livro posteriormente. Como foi isso? E ainda fizeram outro projeto: Campinas por seus Historiadores. Me conta.
Dayz - Exatamente quando a Sônia Fardin foi Coordenadora do MIS, em outra época, o MIS já estava no Palácio dos Azulejos, ela publicou o livro Imagens de um Sonho, reproduzindo o esboço do documento histórico concluído na pesquisa, em formato compatível com o Projeto. Voltando ao meu tempo de coordenadora, em 1986, partimos para a terceira pesquisa: Campinas por seus Historiadores. Naquele momento estavam trabalhando no MIS duas historiadoras, Renata Urbach e Lúcia Gois. Em reunião, levantamos uma relação de historiadores, professores e/ou jornalistas de Campinas que seriam solicitados a participar, através de entrevista gravada em fita cassete, que era o recurso que o MIS possuía naquele momento. A pesquisa foi concluída em 1987, exatamente no ano em que me aposentei de minhas funções na Prefeitura.
E essa pesquisa foi publicada? Como as outras?
Dayz - Ainda não, que eu saiba. Sei que as gravações foram transcritas, certamente aguardando a oportunidade para a publicação, mas nada sei de sua situação atual. Felizmente, pelo menos uma, a do Professor José Roberto do Amaral Lapa foi publicada no livro em sua homenagem, de autoria da Professora Olga Von Simson. Por essa publicação, ficamos sabendo que o Professor Amaral Lapa, que implantava na Unicamp o projeto do Centro de Memória-CMU, expressou que nessas pesquisas estávamos abrindo um espaço de grande significação para a cultura. Ele afirmou: “vocês estão resgatando uma memória, ainda viva, da cidade”, talvez desejando expressar que mesmo no contraponto das fontes primárias tão caras aos historiadores, estávamos dando valor documental à chamada “memória viva”, nos termos de hoje, “memória oral”.
Foi um trabalho importantíssimo mesmo de resgate de memória da cidade. Aliás, tudo é feito no Brasil com muito sacrifício, pouca verba e muito esforço e amor pela arte e cultura. Digamos que a posteridade vai agradecer vocês por isso. E como foi essa experiência na curadoria em obras de arte que fez como voluntária na Aliança Francesa de Campinas?
Dayz - Ah, foi muito interessante. Essa atividade foi de 1988 a 1990. Voltei para as aulas da Aliança assim que me aposentei. Refúgio? Não sei. Eu queria mudar..., mas não consegui totalmente. Eu vi que o diretor da Aliança Francesa gostava de atividades culturais. Conversei com ele sobre algum evento que eu pudesse fazer como voluntária e ele gostou da ideia. A primeira foi uma exposição de fotografias de Ademar Manarini, um modernista da fotografia residente em Campinas e muito ligado aos artistas do Grupo Vanguarda. Fui em sua casa e ele me mostrou armários repletos de fotografias já nas molduras.
Um tesouro?
Dayz - Sim. Aproveitei a oportunidade e levantei dados de sua biografia para a apresentação da exposição. Enfim, combinamos detalhes do evento. Ele optou por fotografias em P&B e foi um sucesso. Depois, realizamos uma exposição também de fotografias do Henrique de Oliveira Jr. que também foi um sucesso. Acho que ele levou algumas fotografias dos anos 50, nas quais aplicou efeitos de solarização entre outros, mas também, outras fotos que eram verdadeiros registros poéticos da vida contemporânea. Aproveitando a oportunidade escrevemos sua biografia, e um texto sobre seu estilo fotográfico, como havia feito na exposição do Manarini. Lembro-me também de um evento denominado “primeiras obras” que foi muito bacana, pois tratava-se de mostrar alguns iniciantes nas artes, com uma exposição de pinturas, o lançamento do livro Voos do Coração e contamos com a participação da jornalista Célia Búrigo, do Diário do Povo, com suas esculturas em concreto e em acrílico- uma grande surpresa. Já estávamos em 1990 quando realizamos a última exposição desse período, com obras de Thomaz Perina, sucesso absoluto. Daí, terminei meu curso de francês.
Pelo que vejo você não conseguiu mudar de área porque em seguida foi para o Centro de Ciências, Letras e Artes, onde atuou por quase uma década. Exerceu a vice-presidência, sendo depois eleita presidente duas vezes. Chegou a realizar o projeto de revitalização do Museu Carlos Gomes com apoio da Fapesp. Fale sobre isso. O Centro de Ciências foi o primeiro centro cultural de que participei em Campinas, aliás nossa geração, pelo que me consta. Fazíamos teatro lá, enfim eu vivia lá- na Biblioteca, nas exposições. Grandes recordações daqueles tempos
Dayz - Sim, exatamente. Vamos considerar que o CCLA é uma entidade sem fins lucrativos, fundada em 1901, por César Bierrembach e uma turma de campineiros intelectuais, professores, artistas que vinham do século 19. Sempre teve uma função de esteio da cultura campineira. Eu também devo grande parte de minha formação, principalmente em Cinema ao CCLA. Certo dia o Bráulio Mendes Nogueira, que era o presidente da entidade, foi ao MIS e me convidou para visitar o CCLA. Então, certo dia cheguei lá e ele estava lendo jornal na grande sala de entrada. Ao cumprimentá-lo, ele me convidou para me tornar sócia, e depois, para eu entrar em sua chapa de reeleição para a Diretoria da entidade, como vice-presidente. Muito surpresa, considerei que para eu participar eu precisaria levar uma turma de amigos comigo para algumas funções. Ele aceitou e na eleição, renovamos a Diretoria. Na eleição seguinte todos consideraram que eu deveria ser a candidata a presidente. E assim me mantive na presidência por dois mandatos de dois anos, e mais um período como diretora do Museu Carlos Gomes. Todo o meu período no CCLA foi acompanhado da turma de amigos que fora comigo para atuar em cargos ou funções da diretoria. O Luiz Carlos Ribeiro Borges, que foi vice-presidente no meu empo de presidente sempre se manteve atuante junto à diretoria até hoje.
Dayz você fez coisas importantes no CCLA, mas acredito que a revitalização do Museu Carlos Gomes foi o mais marcante de todos. Teve a participação especial e fundamental da artista plástica Fulvia Gonçalves.
Dayz - Sim houve muitos projetos de revitalização no meu tempo no CCLA. Revitalização da sede, revitalização dos acervos, revitalização das programações culturais. De fato, a revitalização do Museu Carlos Gomes, realizado em meu segundo mandato foi bem diferenciado. Foi um projeto bastante complexo, trabalho projetado e realizado por museólogas e pessoas especializadas. Graças a colaboração da Fúlvia Gonçalves que levou nosso projeto a Fapesp, conseguimos os recursos financeiros para essa tarefa, sendo que ela acompanhou a parte financeira do projeto até a prestação de contas junto a Fapesp. Gratidão à Fúlvia, ex-professora da Unicamp e notável artista plástica. A inauguração do Museu Carlos Gomes revitalizado se deu no início de um novo período do Marino Zigiatti, quando eu, então, fui designada para exercer a diretoria do Museu Carlos Gomes. Foi uma inauguração histórica, que contou com a presença das autoridades da Prefeitura, da Câmara Municipal, com a presença da Professora Fúlvia Gonçalves e do presidente da Fapesp. Acrescento que durante todo o período dos trabalhos de revitalização, o Museu Carlos Gomes recebeu muitas visitas de músicos, pesquisadores, imprensa para reportagens especiais, vereadores entre outros. Solicitamos ao então prefeito Magalhães Teixeira a doação de um terreno para a construção do Museu num espaço mais amplo, no que fomos atendidos já no período do prefeito de Edivaldo Orsi. Resta agora o patrocínio para se efetivar a construção.

Capa do livro Victor Fiegert - um fotógrafo austríaco no Brasil: a poética do retrato
Dayz você fez uma carreira brilhante mesmo nas artes campineiras e além das pesquisas culturais e dos artigos, escreveu quatro livros: Tomás Perina-Pintura e Poética, em parceria com José Armando Pereira da Silva (2005 com apoio da Lei Rouanet) sobre o grande artista campineiro; O Viajante Hércules Florence – águas, guanás e guaranás (sobre a Expedição Langsdorff), 2008, onde você faz uma releitura do Diário de Bordo de Hercules Florence que participou da Expedição Langsdorff (1825-1829) com cerca de cem desenhos sobre a paisagem brasileira e sua gente juntamente com descrições que ele fez das cidades, vilas e lugarejos, de rios, cachoeiras e florestas, trazendo para o leitor informações valiosas do viajante, que compõem um dos mais densos conjuntos da iconografia brasileira assinada pelo artista. E tudo isso mesclado com reflexões tuas sobre todo o trajeto, enfim, mostrando para os contemporâneos o Brasil do Século 19, numa linguagem coloquial e, portanto, acessível ao leitor, digamos, não erudito. E tem ainda: Landina, os fios da memória (2011) que trata justamente das suas lembranças da casa de sua avó Irlandina e é uma delicadeza de texto, uma delícia de se ler e voltar no tempo. Voltar num tempo para quem também teve uma infância no campo ou ficar sabendo como eram as coisas simples e singelas, mas cheias de cor e sabor da vida do agricultor na primeira metade do século 20: o fogão à lenha, a lamparina de querosene, a roda de fiar, a horta e o pomar, os animais e as plantas, as festas de Natal e Folia de Reis, as primeiras escolas, tudo rodeando a casa e sendo parte da vida. Mas eu quero falar mesmo do teu último livro que é o Victor Fiegert - um fotógrafo austríaco no Brasil - A poética do retrato, 2024, onde você faz um trabalho maravilhoso de garimpagem das fotos e da biografia do Victor pelos quatro cantos do planeta, agora com o auxílio da internet e que contém 155 fotos do artista que viveu em Campinas no período de 1950 a 1960 retratando especialmente batizados, casamentos com uma técnica apurada de um retratista. Na verdade, tua pesquisa sobre o Victor começou em 1981, não é? Olha o livro é uma verdadeira obra de arte!
Dayz - Ana, estou emocionada com sua entrevista e com sua apreciação sobre o livro do Victor. Sobre os caminhos que me levaram a esse fotógrafo: em 1981, eu estava no MIS, realizando o Projeto Vanguarda. Essa ideia de resgate histórico do Victor Fiegert foi do Raul Porto que pensou que poderia integrar o Victor naquele projeto, com os vanguardistas. Mas ele mesmo descobriu que seria inviável falar do Victor naquele contexto por falta de materiais informativos. Então, no Projeto Vanguarda, o Victor ficou constando como participante de apenas uma exposição, mencionada no Catálogo do Projeto Vanguarda. Mas a ideia ficou na memória. Em 1999, quando eu deixava as atividades do CCLA, eu decidi voltar à pesquisa cultural, fzendo uma pesquisa sobre o artista Thomaz Perina, para escrever um livro sobre ele e sua obra. Certo dia, pedi a irmã dele para ver o acervo fotográfico da família. Foi nesse encontro com a Virgínia, irmã gêmea do Thomaz Perina, e tendo ela me mostrado o acervo da família, nasceu a ideia da pesquisa A Fotografia em Campinas Busca uma História, publicada na revista do CCLA, em 2003. Naquele acervo eu vi a quantidade de fotógrafos que eu não conhecia, e que poderia gerar um embasamento para a história da fotografia em Campinas. Consequência: passei a ter numa mão, a pesquisa sobre o Perina, e na outra, a ideia de uma pesquisa sobre a Fotografia em Campinas. Neste projeto de pesquisa da fotografia o Victor aparece pela primeira vez como objeto de estudo, sendo que o Perina me deu as indicações preciosas para que eu entrevistasse a Mara Husemann e a Belinha Cury Zakia que conheceram o Victor, tendo sido fotografadas por ele. Esse foi o início da pesquisa do Victor Fiegert. Depois que publiquei o Landina/ os fios da memória (2011), pensei em retomar aquela pesquisa sobre a fotografia em Campinas. Mas refletindo bem, percebi que seria melhor pesquisar o Victor, que tinha sido um pedido do Raul Porto e que eu havia conhecido a vitrine com as fotografias dele, na Avenida Glicério, ao lado da entrada do Hotel Términus e admirava muito aquelas fotografias. Assim, em 2014, comecei o trabalho levantando dados sobre ele na Biblioteca Municipal, no Arquivo Municipal etc. Quando postei na internet que estava fazendo uma pesquisa sobre ele, a receptividade foi muito grande e já comecei a receber fotografias. Tanto que já em 2017 tive o contato da Denise Banham, do Canada, se declarando sobrinha-neta de Victor, e se dispondo a ajudar com fotos e dados biográficos. O interesse foi grande, mas o caminho foi longo. Fiz muitas entrevistas, e muitas pessoas nos grupos do Facebook me ajudaram.
Que maravilha!
Dayz - Foi um trabalho de união de interesses e de forças. Contei com uma equipe que me ajudou muito na estrutura do texto, fiz pesquisas temáticas para organização da sequência história e da criação da coleção. Foi um trabalho complexo, feito com uma criação bastante focada no histórico do personagem biografado e no seu trabalho, na ambientação dele na cidade de Campinas, e principalmente no estilo e no fazer fotográfico tão personalizado. Foram 10 anos de trabalho, envolvendo muitas pessoas que cederam suas fotos, que colaboraram com seus depoimentos, e até minha família que muitas vezes não entendia bem essa dedicação a um trabalho livre, que mais parecia um compromisso. Mas fiquei feliz quando a Editora Pontes pode dar os encaminhamentos finais, e me trazer o livro pronto. E fiquei muito feliz também porque todas as pessoas que colaboraram gostaram muito do livro como foi finalizado. Enfim, mais uma etapa de vida de pesquisadora e escritora cumprida.
Ana Lúcia Vasconcelos é jornalista e atriz, se licenciou em Ciências Políticas e Sociais pela Puccamp, com mestrado em Filosofia da Educação pela Unicamp. Como jornalista atuou em vários veículos da imprensa campineira e paulistana – Editora Abril, Suplemento Cultura de O Estado de São Paulo, Revista Visão, Revista Nova, Revista Escola, Leia Livros, Isto É, Jornal de Hoje, Revista Artes, entre outros. Trabalhou na TV Cultura como apresentadora e co-produtora do programa Semanário das Artes que e o atual Metrópolis e na Rede Globo de Televisão como assessora do Lauro Cesar Muniz na novela Os Gigantes. Como atriz fez Electra de Sófocles com o qual ganhou o Prêmio Revelação de Atriz da APCA em 1968. Atuou ainda em Cemitério de Automóveis, de Arrabal, Antígona, de Sófocles, Medéia de Eurípedes. Traduziu do francês o livro Je Vois La Vierge publicado pelas Edições Loyola em 1990, sob o título Eu Vejo a Virgem- Vicka narra as aparições de Medjugorje, que foi reeditado em 2017 em produção independente. Publicou A intensa, extremada, delirante Hilda Hilst com verba do FICC. Colaborou em vários portais da internet: #Agulha, Germina Literatura, Cronópios e Musa Rara mas atualmente publica apenas em seu próprio site Vitabreve.
Olá, sou a Dayz Peixoto Fonseca. Agradeço imensamente a publicação da minha entrevista realizada pela jornalista e escritora Ana Lúcia Vasconcelos, em razão de meu último livro, lançado em dezembro de 2024, sobre Victor Fiegert, fotógrafo austríaco, imigrante do pós-guerra, e que deixou um valioso patrimônio fotográfico representando a sociedade de Campinas da época. Felizmente, tive a oportunidade de resgatá-lo, em parte, contando com a colaboração da sociedade campineira, que ofereceu retratos de álbuns de família para que integrassem a coleção configurada no livro. Mais uma vez, muito obrigada.