Palavrório
- URRO
- 21 de dez. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 21 de jun. de 2022
Os mortos hão de me perdoar
Por Paulo Reda
“Algumas vezes me sinto em relação à minha profissão da mesma maneira como Vladimir Maiakóvski se sentia em relação ao suicídio: ‘Não o recomendo aos outros’, ele escreveu, e então encostou uma arma na cabeça” – A. Alvarez – A Voz do Escritor

Quinta-feira (30 de abril) - “Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio”. Dessa forma bombástica, Albert Camus inicia seu modesto - porém encantador – tratado filosófico “O Mito de Sísifo”. Um livro que deve ser lido por jovens em busca de respostas literariamente convincentes para agonias pueris.
“Fui colocado no meio do caminho entre a miséria e o sol”. Depois de ler isso a vida de um adolescente esquisito jamais será a mesma. Na epígrafe do livro, Camus cita o poeta grego Píndaro – nome de lateral do Fluminense - “oh, minha alma, não aspira à vida imortal, mas esgota o campo do possível”. Me lembra a única frase realmente boa que considero ter elaborado: “a vida é tudo que nos resta!”
Quarenta dias depois do início da peste e do isolamento, me pego a pensar em suicídio. Um troço realmente paradoxal; a perspectiva iminente da morte torna mais agudo o desejo de darmos cabo de nossas vidas. Viver pra que?
As opções são muitas. Ligar o gás, como Sylvia Plath, dar um tiro na boca, como Hemingway, pular pela janela, como Ana Cristina César, enforcamento, como Ian Curtis, overdose de remédios, como Cesare Pavese, afogamento, como Virgínia Woolf... Há exatos 75 anos uma das maiores celebridades do século 20 punha fim à sua turbulenta existência: Adolf Hitler.
Não existe nada mais patético do que um suicida malsucedido.
Vem a cabeça uma frase brincalhona que volta e meia soltávamos nas rodas de boteco, quando ainda haviam rodas de boteco: me suicidar seria a última coisa que eu faria. Não existe nada mais patético do que um suicida malsucedido. Resolvi buscar apoio profissional para não enfrentar a vergonha de ser um suicida fracassado. A referência óbvia era o CVV, que há anos atua como um tipo de coach da morte.
Em seu site, o serviço se apresenta como uma espécie de pronto-socorro emocional, com atendimento 24 horas, gratuito e sigiloso. “Assim funciona o Centro de Valorização da Vida, uma rede de apoio para prevenir o suicídio, mas que acaba ajudando qualquer pessoa que esteja passando por algum tipo de angústia, solidão ou sofrimento”. Parece bom... Oferecem atendimento por telefone ou por um chat com horários pré-determinados!!! Optei pela forma mais antiquada e telefonei.
waaallll...Esses suicidas falam pra chuchu.
Após alguns toques, uma voz mecânica registra que em breve serei atendido por um dos voluntários. Na sequência, recebo a informação que sou o número 29 de uma lista de suicidas ansiosos por aconselhamento. Porra, não imaginei que fosse tão complicado assim morrer pelas próprias mãos!!! Decido esperar um pouco. 28, 27... Uns 15 minutos de espera e estamos no número 20, waaallll...Esses suicidas falam pra chuchu.
Enquanto esperava, lembrei da cena do Manhattan onde Isaac, o deprimido personagem de Woody Allen, lista algumas coisas que fazem a vida valer a pena. A Sinfonia Júpiter de Mozart, a gravação feita por Louis Armstrong de Potato Head Blues com o Hot Five, o jogador de beisebol Willie Mays e, evidentemente, Groucho Marx.
Quando a lista de espera chegou ao número 15 a ligação caiu. PQP!!! Vou a cozinha, me sirvo de mais uma dose de uísque, acendo um charuto e volto para o ensebado sofá para retomar a leitura da biografia de João do Rio. Nesse exato momento optei pelos vivos: os mortos hão de me perdoar.
Poema encontrado nos destroços de uma pensão incendiada, ao lado de um punhal de prata que pertenceu a Aleister Crowley
Era tempo de preparar a viagem para o Oeste.
Estou morto para o mundo
num bar de beira de estrada,
solidão oculta por um círculo de sorrisos.
Onde poderei sentir-me em casa?
Cartas devolvidas,
sonhos-bala, sonhos-foguete,
fragmentos...
Como se lhe descesse a hora final.
Teu desespero é mais chato
que as leves batidas na vidraça,
a me lembrar da existência
dos três rios de fogo,
por onde devo prosseguir.
LIBIDO DOMINANTI!
O que faz a vida valer a pena HOJE;
o Concerto para Clarinete de Mozart, Sam Shepard
e um charuto dominicano.
Nesse exato momento
optei pelos vivos:
os mortos hão de me perdoar.
Paulo Reda é jornalista há 31 anos, com passagens por diversos veículos de comunicação. Crítico literário, musical, cronista e poeta bissexto. Diretor do bloco carnavalesco Nem Sangue nem Areia. Alegria é Coisa Séria!!!
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