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Palavrório

  • Foto do escritor: URRO
    URRO
  • 15 de ago. de 2020
  • 2 min de leitura

Atualizado: 21 de jun. de 2022

O mais cruel dos meses

Por Paulo Reda




Quarta-feira – 1º de abril – “April is the cruellest month”. Finalmente essa porra fez algum sentido no nosso país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Esse verso abre a primeira parte do poema The Waste Land, de T. S. Eliot, não por acaso denominada O Enterro dos Mortos. É o que faremos cada vez mais a partir de agora, com o avanço da peste: sepultar nossos mortos. “These fragments I have shored again my ruins” Quantas vezes lera, fascinado e assombrado, esse verso...Como sustentar nossas ruínas em tempos de peste?


A opção que nos resta é afogarmo-nos no enfado, anunciado não por um grito, mas por um suspiro (Eliot de novo, waaallll...).

Além da perspectiva da morte, o que mais nos aflige nesse momento de confinamento é o tédio. De que adianta esse papo de bonito por natureza se precisamos ficar enfurnados em casa? Foda-se a natureza!!! O negócio é Netflix, pinball no computador e pornografia online.


A opção que nos resta é afogarmo-nos no enfado, anunciado não por um grito, mas por um suspiro (Eliot de novo, waaallll...). Distanciados da peste, que espreita lá fora, adoecemos dentro de casa, de cansaço e tristeza. Outro poeta, João Cabral de Melo Neto, escreveu que “Não há guarda-chuva contra o tédio: o tédio das quatro paredes, das quatro estações, dos quatro pontos cardeais”.


Tentamos buscar a paixão em aplicativos de paquera no celular, mas por lá encontramos apenas mais tédio.

Ou a frase de Van Gogh, muito usada por desocupados de redes sociais: “Prefiro morrer de paixão do que de tédio”. Pois bem, essa opção hoje não nos é dada. Morram de peste ou de tédio!!!


Tentamos buscar a paixão em aplicativos de paquera no celular, mas por lá encontramos apenas mais tédio. “Sou extrovertida, bem resolvida, sem tempo para bagunças”. Fulana, o que eu mais queria agora era uma bagunça!!! Excluída. “Mãe, professora, chocólatra, adoro café, vinho, caminhadas, ler e cozinhar. Vamos tornar esse mundo mais leve e divertido”. Não, não vamos! “1,74 de altura. Gosto de barzinho, mas bebo pouco”. Dois problemas aqui. Não converso com quem fala “barzinho”. E se bebe pouco vai fazer o que no boteco!!! “Tenho dois filhos maravilhosos... aceite-os”. Definitivamente não!!!! E o gosto musical dessa gente, pqp!!! Voltamos apaixonadamente ao onanismo.


Alguns creem que quase todas as nossas desgraças vêm de não termos sabido ficar em nosso quarto. Mas, nessa circunstância, as favas com o ascetismo. Queremos rua, sol na cara, boteco, o alarido dos amigos, moças rebolantes, multidão... Solidão no meio da multidão.




Paulo Reda é jornalista e cronista.




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