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Traços Talantes

  • Foto do escritor: URRO
    URRO
  • 2 de dez. de 2023
  • 3 min de leitura

Ideias simétricas, redondas e empinadas

Por Cunhambebão Neto

 

Essa coluna tem como objetivo principal escarafunchar a cultura campineira. Se é verdade que há na cidade, desde idos tempos, uma cultura estabelecida, pujante e fecunda, também é preciso admitir que essa cultura está debruçada sobre alguns figurões, donos das artes e do dinheiro da cidade desde sempre. Por isso, decidimos neste espaço darmos luz e visibilidade a alguns nomes desconhecidos, ao menos da grande massa campineira. Esse é o caso do médico, poeta e jornalista Dilermando Tapatutti.


Tapatutti nasceu no antigo Bairro da Desforra, hoje conhecido Cambuí. Seu pai, Donfredo Tapatutti também era médico, e foi da admiração que nutria por ele que Dilermando obteve o desejo de formar-se em Medicina. De sua mãe, Belarmina Marquês de Antoine, o poeta herdou o gosto e a devoção para as artes. Não é exagero dizer que Belarmina foi a grande incentivadora das artes em seu tempo, dedicando sua fortuna e seu tempo a fazer de Campinas um polo cultural.


Despontando como um fenômeno da Medicina desde tenra idade, atendendo dia e noite no complexo medicinal criado por seu pai para atender as regiões nobres da cidade, Dilermando começa a escrever para se livrar da pressão do exercício da Medicina. Assim, entre o bisturi e a pena, escreveu seu nome na história e na carne da cidade.


Abaixo reproduzimos um de seus escritos mais famosos, uma carta endereçada à Revista de Cultura Crimideia, publicação independente cujo o tema daquela edição era: Bundas.


“Dircé”, escultura do italiano Lorenzo Bartolini (1777-1850), em exposição no Louvre


O desbunde imoral desse povo da bunda!

Por Dilermando Tapatutti

 

Antes de qualquer coisa é preciso esclarecer, evitando assim a possibilidade da dúvida, a seguinte questão: sou um homem conservador e não vejo mal algum em assumir tal postura ideológica. Afinal, todos nós devemos muito ao conservadorismo, já que é imprescindível ao ser humano a possibilidade de conservação das coisas.


Vejam, por exemplo, o caso das ervilhas enlatadas. Como poderia o homem moderno privar-se da degustação de tão saborosa iguaria? É possível imaginar um mundo onde não encontrássemos, em qualquer supermercado, deliciosas ervilhas enlatadas?


E mesmo que essa possibilidade exista, é possível, criando-se assim mais uma aba de possibilidades, viver sem comer as tenras ervilhas industrializadas depois de já as ter experimentado antes de filosofar sobre um mundo onde elas não existam? Evidente que não, senhores!


Pois bem, só é possível enlatar ervilhas graças ao que chamo de "senso de conservadorismo" humano, que é a sensação de preservação que nos levou a criar os conservantes, por exemplo, e então obter a técnica do envasamento industrial desse verdejante legume.


Dito isso, podemos seguir a diante com a clareza de que escrevo por aqui na base da incerteza, já que não sou leitor e muito menos entusiasta dessa abominável publicação.E qual a intenção desses supostos escritores? Jogar à luz do dia, em plena praça pública, essa parte destinada a ocupar o breu de nossa anatomia? É muita ousadia ou falta de noção.


Chamem o coronel, avisem o capitão!


Fiquei, confesso, com taquicardia. Acho que desencarnaria não fosse o tarja preta, a fé e o aconchego da família. Sim, pois quando levanto o punho, munido de minha pena em riste, não falo somente em meu nome, não poderia. Brado aos cantos dessa Campinas pela moral, pela tradição e pela família!


A pátria foi, infelizmente, tomada por essa corja de bandidos de modoque, por hora, atendemos pela filial de Miami, portanto arrancamos o "T" final de nossa sigla. A bund... perdão! A bun... perdão! Chamarei o motivo da discórdia de poupança, que acredito ser seu apelido mais simpático.


Aliás, admito que poupança é sempre algo com o qual me identifico, até porque sou desses homens prevenidos que preferem poupar uma pequena parte dos caraminguás conquistados, entendido?


Pois bem, assim como acredito que todo homem que se preze deve poupar uma parte de seu salário mensalmente para desfrutar de uma velhice tranquila, acredito também que é preciso combater esses anarquistas que querem transformar a nossa cidade em uma república das ancas, com o perdão da expressão.


Levantemo-nos contra esses depravados que querem "bundificar" a mente de nossos jovens com suas ideias simétricas, redondas e empinadas, levemente douradas pelo sol da manhã. Declaro guerra a esses senhores. Guerra!


Que os canalhas sejam identificados e colocados na cadeia às pressas; e que para a necessária manutenção de nossa sociedade moderna aconteça, toda bunda seja, desde já, devidamente coberta!

 

Cunhambebão Neto é o pseudônimo de um atento observador das artes reais e trivais da cidade.

 


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