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Traços Talantes

  • Foto do escritor: URRO
    URRO
  • 15 de jul. de 2023
  • 6 min de leitura

Atualizado: 17 de jul. de 2023

Sob as santas lágrimas de mamãe

Por Cunhambebão Neto


Livre-devoração não autorizada da modorrenta e indigesta vida do poeta moderninho e ativista Federico Costa Curva.

Choro chorado em mimimi bemol divido em lágrimas.


Quadro As Lágrimas De Freya de Gustav Klimt

Federico Costa Curva foi um poeta, ativista, publicitário e produtor cultural campineiro. Nascido e criado no Cambuí, no ano de 1988, despontou como escritor ao lançar o best-seller “Geração de Espuma” (Raros & Loucos 2016): um misto de poesia, prosa, posts do facebook, tweets e fotos do instagram.


O livro é considerado ainda hoje como um dos mais importantes retratos poéticos daquela que ficou conhecida como a “Selfie Generation”, movimento artístico que mudou os rumos e as mentes da antiga cidade das Andorinhas, hoje conhecida como a cidade dos Painhos-de-calda-forcadas, apesar de não haver notícias de que um desses já tenha batido as asas por lá em toda a história da cidade.


Autor de diversos livros, com destaque para “As Flores Workaholics” e “Sob a Batuta de Olivetto”, morou e viveu intensamente em Barão Geraldo onde fundou o grupo de performances “Gregório esqueceu o gramophone”.

No campo do ativismo lutou pela representatividade das baleias na história literária, conseguindo tirar de circulação o livro “Moby Dick”, e foi um grande entusiasta da “Revolta dos Oring R” leia-se oringar), movimento responsável pela permanência das cebolas empanadas no cardápio do Outback, hoje patrimônio da humanidade.

Foi ainda designer de barba, puxa-saco de cantor underground profissional e ganhador do prêmio Pondé 2019 de leitura de orelha de livro pela inesquecível dramatização de “O herói de mil profiles”, de Felipe Neto.


Morreu em 03 de Janeiro de 2025, entregue ao vício, sob as lágrimas, e nos braços, de mamãe.


Durante algum tempo acreditou-se que Federico havia nascido em São Paulo por conta de seu sotaque e do uso recorrente de algumas expressões paulistanas em suas obras. No entanto, o historiador Cláudio Antunes (1999 – 2082) descobriu, doze anos após a morte do artista, em 2037, que esse tipo de comportamento era natural na Campinas da época. Além do sotaque, alguns artistas exibiam cartões de metrô na tentativa de serem considerados paulistanos.


Outros ainda utilizavam contas da Light falsificada para provar o vínculo pessoal e espiritual com a capital do Estado. Segundo Cláudio, um olhar mais atento no panorama artístico da época na cidade demonstra claramente que era natural, quase obrigatório, aos artistas que se diziam descolados, os precursores da famosa “Selfie Generation”, e que almejavam a transformação do ambiente urbano da cidade das andorinhas, a falsa afirmação de uma vida na capital do estado”.


O movimento “Selfie Generation” escolheu o pássaro Painho-de-calda-forcada para substituir as Andorinhas com base em sua fonética e, seguindo o manual do Hypster cotidiano, por sua evidente impopularidade.

O grupo tinha por princípio a não-performance e discutia as relações dessa arte com seu público através da ausência e do distanciamento. Em seu manifesto intitulado “As performances de lugar nenhum: a não-performance como saída para o artista essencial” o grupo define que 'a não performance trata do não ser, do não existir. Por isso o princípio dessa arte é justamente não acontecer. Ao tratar do nada podemos tudo e, ao poder tudo, podemos nos dar ao direito de nada fazer.’”


Primeira Lágrima

O Prólogo.

O Édipo Hi-Tech

Ante a nauseante história de meu tempo,

Banhado em dores, amores e descrença

Tomei por certo o amargo veneno

De fazer-me rebelde tal qual me fiz poeta.

Mamãe, coitada, a duras penas

Tentava me dissuadir de malfadado destino

Que a girar, feito cata-vento, engoliu-me

Como engole bitola a quirica de Silvia-Saint.

Assim, sem saída, aos desejos do acaso me entreguei

E na falta de talento pra ser gauche na existência, oh vida!

Sobrou-me a pecha infeliz de ser o moderno filho das Campinas.

E como teu filho, fui criado, sem direito a trato ou devoção

Maltratado do ventre ao túmulo, feito feto desgarrado

Tive os olhos furados, a pele exposta, e o pai pelo filho assassinado

Pra viver refém desse amor macabro, no anseio de teu colo proibido

Diante de teu seio, Oh matriarca,

Fiz a miséria de meu ofício, o suplício de minh’alma

E tomei-te na boca, feito uva fresca, e guardo-te na língua

Junto ao gosto de teu leitoso remorso abismal.

E faço poesia, oh maldita, na impossibilidade de fazer-te um filho

Já que o teu rebentaste torto, feito o homem que vive na sombra.

Tão esquecido quanto um poeta em autoexílio.

Tua recusa, minha estricnina.

(os personagens a seguir não foram contidos pela tradicional violência da polícia poética e entraram, de maneira abrupta e de sola, no prólogo do poema).

O prelo.

Extra! Extra! Extra!

Paixão proibida disfarçada de obra literária: um escritor das Campinas deseja a mãe através de

versos desconexos e sofre, via twitter, do complexo de Édipo weireless.

Extra! Extra! Extra!

É proibido tocar os seios de mamãe a menos que utilize as luvas anti-incesto da pró-security genetriz.

Extra! Extra! Extra!

Obra modernista com aroma de charlatanismo e notas de perversão reinvindicam a Antropofagia para insultar o poeta ativista e orgulha das Campinas Federico Costa Curva.

Extra! Extra! Extra!


O preço.

A bondade do patrão do século XXI ameaça e sodomiza a empregada e, se for o caso, batiza o bastardinho.

A putaria nacional ou a foda mística e miserável de todo brasileiro

A política - enquanto houver lubrificante e ignorância estaremos garantidos!

A prole - da nossa miséria? Tiraram até as pregas!

O pederasta - só poderia crer num Deus que pudesse me enrabar!

E assim, sem avisos ou piedade, todos os fantasmas de nosso insignificante herói aparecem logo no início dessa “opereta” em tom de homenagem póstuma para perturbar-lhe ainda mais a irretocável, e imprestável, história.


Calahau

O malware é a sífilis do poeta romântico na era digital.


Segunda Lágrima

A infância.

“E assim me vi, pequenim, entre o gameboy e a bicicleta.

E com olhos de poeta e alma livre, caminhava.

Diante de mim, a triste estrada sem fim, vasta

Único caminho que não levava à Nárnia, e essa vontade abjeta

De cavar-lhe a blusa armadura, de arrancar da prisão rendada,

A liberdade que em minha imaginação fazia a festa

Oh, aflição, essa eterna caverna do dragão da qual é impossível fugir”

Trecho do livro “As Flores Workaholics”


Terceira Lágrima

A semente da rebeldia.

Não pise na grama?

Eis-me aqui, revolucionário, com a bota a descansar na imensidão do verde pasto.

Sou, e isso é irrefutável, desde já um fora da lei.

Quarta Lágrima

A militância.

Se essa luta fosse minha:

Antes barba, antes barba eu não tinha.

Pois mandava, pois mandava aparar.

Com creminho, com creminho e esfoliante

E um bom talco seco pra finalizar.

Hoje em dia, hoje em dia já não corto

Pois preciso, pois preciso me engajar

Apesar de, apesar de nunca ler Marx

Trouxe estilo e classe pra revolução!

Quinta Lágrima

O amor.

Calendário

Aquele falso amor, que inventamos em dezembro

Tu afogaste sem cerimônias, aos beijos.

No Rio… De Janeiro.

Tweet concretista do amor demais

Se te tenho, se te quero

Tal qual fazenda,

Te cerco

Xuxu!


Sexta Lágrima

A perda da inocência.

Versinho Imundo

Feliz e risonha, besuntada em creme ponds, encontrei tia Helena, sem pivô, trufando cenoura à moda Mario Gomez.


Sétima Lágrima

A família.

Briefing eterno de uma gente sem herança.

“acostumei-me com a família como me acostumei às manhãs de ressaca. Afora minha mãe, eterna musa, poucos ali me dedicavam algum entusiasmo. Fui pirata no carnaval e socorri, aos prantos, meu pai em crise de ansiedade por conta da licitação de nosso futuro. Com eles aprendi o significado da palavra desgraça e ali enterrei minha fé na vida. Mamãe sempre dizia que meus versos rodariam o mundo e que meu talento ainda seria reconhecido em rede nacional. Quando de minha primeira vez no Correio Popular ela me surpreendeu com uma cesta de café da manhã da Romana.”

Trecho do documentário inédito Tarde Magenta: versos e conversas na beira

Oitava Lágrima

Deus.

Perdoai senhor, aqueles que confundem Rambo com Rimbaud!


Nona Lágrima

O vício.

Me ajuda, me guia

Me acalma e me inspira,

Encoraja e idolatra,

Ama e alucina

Bendita mania me cura da vida!

Num domingo alucinante,

A negra alma e o céu azul

Resta apenas o riff angustiante

Do Brandina Blue’s.

Décima Lágrima

A morte.

Espero-te como espero uma notícia acachapante

Feito inevitável sentença, de olhos disformes,

Inconstantes

Sou a fera solta na relva

De gestos finos, lancinantes

E coragem pra seguir adelante

Meu único medo, sabido por todos,

É a fila matinal do Starbucks

Poema Adágio do Livro “Antologia da Zara na noite em claro”.


Primeiro Pranto ou Sob as santas lágrimas de mamãe.

“Um dia hei de rebentar no infinito, em busca dos likes nunca dantes visualizados”

Trecho de último livro de Federico Costa Curva Scrap definitivo em dias de chuva.

Federico Costa Curva morreu de causa desconhecida. Alguns dizem que, na verdade, o poeta nunca existiu. O fato é que há, no Facca Bar, uma mesa dedicada à sua memória onde, ao lado de sua mãe, alguns dizem enxergar o poeta a beber generosos copos de leite, enquanto chora compulsivamente, soluçando, ao lado do retrato de um pai que nunca teve, mas, de certo, matou em versos e prosa. Encharcado pelo pranto de sua matriarca, seu legado emerge dos paralelepípedos da cidade que tanto amou e que é, indiscutivelmente, a sua cara.



Cunhambebão Neto é o pseudônimo de um atento observador das artes reais e trivais da cidade.



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