Tensão sobre o Tom
- URRO
- 28 de mar.
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Atualizado: 31 de mar.
Minas
Por Maurício Simionato
"Deixar a sua luz brilhar e ser muito tranquilo”. O trecho da música “Fé cega faca amolada” já resume o clima libertário e luminoso que permeia o disco Minas, o 7º da carreira de Milton Nascimento, que completa 50 anos em 2025 e continua ‘a brilhar, brilhar, acontecer brilhar’ até hoje. Em suas 11 músicas, o álbum traz, não só um pedaço da atmosfera mineira, mas carrega também - nesse trem - um pedaço da alma brasileira. O título do álbum faz referência às iniciais do nome do cantor e compositor mineiro, que lançou a obra em 1975, portanto em plena ditadura militar.
O disco tem alguns arranjos complexos, que revestem a simplicidade das belas canções. Traz coros (de adultos e infantis), músicas incidentais, experimentações orquestradas, além de diversas participações especiais, incluindo boa parte da turma do Clube da Esquina como Beto Guedes, Fernando Brant, Marcio Borges, Wagner Tiso (como arranjador), Novelli, Toninho Horta, Nelson Angelo e Ronaldo Bastos (que produz o disco).
Além desse time de craques, o álbum tem a participação de Nivaldo Ornelas (saxofones sopranos, tenor e flautas), Paulinho Braga (bateria e percussão), Nana Caymmi, Joyce, Fafá de Belém, MPB-4 e Golden Boys (nos vocais). Um dos destaques do disco é a parceria entre Milton e Caetano Veloso na música ‘Paula e Bebeto’, que se tornou um ícone da liberdade sexual defendendo que “qualquer maneira de amor vale a pena”. A capa do disco - um close do rosto de Milton - reforça a afro-brasilidade proposta nos meandros da obra e é assinada por Cafi (fotógrafo) e Noguchi (diretor de arte)

Minas: 11 músicas que carregam a alma brasileira
A primeira música, batizada de Minas (Novelli), traz o célebre trecho do coro infantil, depois usado em “Paula e Bebeto”. Em seguida, vem “Fé cega faca amolada” (Milton Nascimento, Ronaldo Bastos), uma crítica sutil à ditadura. A faixa foi regravada por vários artistas, incluindo os Doces Bárbaros, formado por Caetano, Gil, Betânia e Gal. No disco, a música é cantada por Beto Guedes e Milton, resultando em uma combinação entre o instrumental poderoso, a voz aguda de Beto e os falsetes de Milton.
“Beijo partido” é a terceira música e tem a autoria de Toninho Horta, que faz violões e guitarras no disco, com arranjos impecáveis, envolvendo metais, variações rítmicas, levadas de jazz e a voz de Milton, tinindo mais uma vez. A quarta faixa, Saudade dos aviões da Panair (Conversando no bar) (Milton/ Fernando Brant), faz referência à companhia área extinta nebulosamente durante o governo militar e tem coro de adultos.
A quinta música é Gran Circo (Milton e Marcio Borges), que faz referência à política do “pão e circo” e imprimi uma instrumentação que lembra uma espécie de música de circo orquestrada, com nuances de jazz. Essa também, uma crítica à ditadura.
A próxima música é a belíssima Ponta de Areia (Milton/Brant), que lamenta o fim da ferrovia que ligava Minas ao mar da Bahia. A música termina com um coro infantil e a letra busca relembrar uma Minas que ficou no passado: “...Maria Fumaça/Não canta mais/Para moças, flores/Janelas e quintais/Na praça vazia/Um grito, um ai/Casas esquecidas/Viúvas nos portais...”.
Já Trastevere’ (Milton/ Bastos), propõe uma tentativa dramática de diálogo entre um pai cego e seu filho, surdo-mudo. Os arranjos são ousados e dissonantes e em meio aos vocais dos Golden Boys (grupo vocal da Jovem Guarda). A letra destaca também o conflito entre o moderno e o antigo: “A cidade é moderna/Dizia o cego a seu filho/Os olhos cheios de terra/O bonde fora dos trilhos/A aventura começa no coração dos navios...”.
A oitava música, “Idolatrada/Paula e Bebeto” (Milton e Brant), tem brilhante orquestração e apresenta novamente as variações incidentais do coro infantil de Paula e Bebeto. A guitarra de Toninho Horta se sobressai em meio à bateria quebrada de Paulinho Braga. A nona música é “Leila - Venha ser feliz (Milton), uma homenagem à atriz Leila Diniz [1945-1972]. A música tem também uma levada jazzística, mas claro, como toda a brasilidade instrumental entrelaçando a harmonia. A faixa tem como base incidental a música Milagre dos Peixes, do álbum homônimo de 1973.
A penúltima música é Paula e Bebeto (Milton e Caetano). A faixa se tornou uma das mais conhecidas do disco e continuou a ser tocada em quase todos os shows de Milton até a sua última turnê, em 2022. A música é uma homenagem a um casal de amigos do cantor mineiro.
Fechando o disco surge a música Simples (Nelson Ângelo), que faz uma referência à infância e tem orquestração ousada, demonstrando mais uma vez como a simplicidade e a complexidade se equilibram na obra ‘miltoniana’. A música traz uma referência às questões ambientais que afetavam Minas (já naquela época) por conta da exploração gananciosa e desenfreada de minérios, fechando o disco brilhantemente como uma pedra bruta preciosa: “Olha a volta do rio virou vida/ A água da fonte nossa tristeza/ O sol no horizonte uma ferida/Olha o ouro da mina virou veneno/O sangue na terra virou brinquedo/E aquela criança ali sentada”.
Maurício Simionato é poeta e jornalista. Como poeta, lançou os livros Impermanência (2012) — selecionado pela Secretaria de Cultura de Campinas —, Sobre Auroras e Crepúsculos (Multifoco, 2017) — lançado na Bienal do Livro do Rio/2017 —, e O AradO de OdarA (Uma distopia tropical) (Patuá, 2021). O autor também tem poemas publicados em diversas revistas especializadas em literatura, assim como em mais de 15 antologias poéticas. Foi três vezes finalista do Prêmio Off Flip (2020, 2021 e 2023) e, ainda, finalista do Prêmio Guarulhos de Literatura (2019).
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